Quem ama liberta.
Esta é uma reflexão para quem têm a necessidade biológica, psíquica e ética de sobreviver ao amor exagerado dos pais, ou quem sabe até e principalmente para pais que se reconhecem como amando exageradamente.
“A emancipação da autoridade de pai e mãe, da parte do indivíduo que cresce, é uma das conquistas mais necessárias, mas também mais dolorosas, do desenvolvimento. É absolutamente primordial que tal emancipação ocorra”. Sigmund Freud
Duas coisas que os filhos deveriam receber de seus pais é “Raízes” e “Asas” (proverbio do Quebec).
A essência do que você encontrará a diante é: Devemos cuidar com “o maltrato psíquico dos pais sobre os filhos, por amor excessivo, […] O pai ou mãe que se faz adorar abusa do filho, não o coloca em condição de viver sem a sua presença, tira o sentido de todas as suas outras relações”, o mantendo ligado exclusivamente a si mesmo. E infelizmente estes pais podem fazer isso até inconscientemente, podendo nem chegar a ver a consequência desastrosa de sua suposta hiper proteção dos filhos, que na realidade está mais intimamente relacionada com a proteção de si mesmo. (p. 104-105)
Introdução: A família como pacto cultural
“Desde a origem, a criança nutre-se tanto de palavras quanto de pão, e palavras podem fazer mal. Como diz o Evangelho, o mal não é só o que entra na boca do homem, mas também o que sai dela”. (p. 9)
Quando pensamos na força da palavra entendemos pq paternidade e maternidade pode ser vivenciada além dos laços sanguíneos, contudo, esta compreensão só revela o lugar da palavra, e não a insignificância do sangue.
A mãe verdadeira e o mito da maternidade natural
Embora comumente vejamos a figura da mãe biológica como “a mãe verdadeira” fato é que não podemos considerar está percepção uma realidade absoluta, pq existem aquelas que no que diz respeito a maternidade a condição que tiveram foi a de contribuírem para o desenvolvimento até o nascimento do ser humano, mas a relação mãe e filho se encerrou por ocasião do rompimento do cordão umbilical, ou quando muito até o desmame.
Certa vez uma psicóloga colocou essa triste realidade de algumas mulheres que tiveram condições de gerar seres humanos sem conduto desenvolver em si mesma a maternidade. E ela usa como exemplo o caso das duas mães que são postas diante do Rei Salomão (1 Reis 3.16-28), e nesta ocasião fica evidente a perversidade daquela que tendo condições de gerar um ser humano no ventre, era estéril no coração. Pq não sendo suficiente dormir sobre o seu filho, estava pronta para ver de perto um outro recém nascido sendo partido ao meio.
E atenção aos pais que dormem com seus filhos, embora essa seja uma prática bastante discutida entre os que são favoráveis e contrários, sem me posicionar de um lado ou de outro, devo destacar que a tal prática pode ser resultante ou resultará no desaparecimento do desejo dos pais por ambos, redirecionando esse desejo para a criança, pais que dormem com seus filhos devem está atentos quanto a isto.
Um último aspecto que gostaria de ressaltar neste tópico diz respeito a super valorização do amor materno em detrimento do amor paterno, como se o amor de mãe fosse superior ao amor de pai. E para esta reflexão evoco o episódio em que Deus pede a Abraão para sacrificar Isaque (Gênesis 22.1-19), duas questões quero te convidar a pensar:
- E se Deus não tivesse impedido Abraão no último instante?
- E se Deus ao invés de ter feito o pedido ao pai ele tivesse feito a mãe o que teria ocorrido?
Apesar da peculiaridade de cada questão, fato é que ambas em certa medida haverão de se encontrar na bifurcação do amor, onde uma direção conduziria o amor a Deus e a outra o amor ao EU. Não quero com isso dizer que a mãe não tenha condições de colocar o amor a Deus em primeiro lugar, meu objetivo é apenas nos conduzir a uma reconsideração da nossa percepção do que realmente é o amor, de que formas ele pode ser demostrado, pq se homem e mulher são distintos anatomicamente, emocionalmente, psicologicamente me parece natural que eles também expressem sua amorosidade de maneira diferente, como por exemplo, o homem priorizando a ordem, a mulher o sentimento; o homem a comunidade, a mulher o indivíduo.
A triste possibilidade da família contemporânea se tornar “uma família claustrofílica”.
Ao contrario da claustrofobia que é o medo exacerbado de locais fechados, claustrofília do latim claustrum unido ao grego philos (amor) é portanto, o amor pelo que é fechado, ou a afeição a ambientes fechados, causando uma sensação de conforto quando nesta condição.
Uma família em tal condição restringe o horizonte de seus integrantes trazendo para o interior aquilo que normalmente é potencializado pela troca com os de fora. Esse modo de viver restringe os horizontes pq inibe ou dificulta o amadurecimento de ambos pais e filhos que deveriam seguir se desenvolvendo em certa medida pelo distanciamento tão característico nas relações familiares até o século XX. Mais cedo ou mais tarde os integrantes destas famílias claustrofílicas sentirão os prejuízos desta hiper dependência dos filhos em relação aos pais e vice-versa.
Famílias organizadas desta maneira tendem a ser antissociais, e tal condição é por vezes consciente ou inconscientemente adota em nome do amor, contudo o amor genuíno é aquele que pode ser demostrado por aquele além de mim mesmo, neste caso para além dos integrantes da minha família. Pessoas de horizontes mais amplos tem melhores condições de lhe darem com dissonâncias e negociações, pela constante troca de experiência com os que são de fora, o que ocorre também em certa medida dentro de uma família claustrofílica, mas em uma escala muito menor.
Outro déficit desta condição familiar é que o outro só pode ser digerível se ele for levado para dentro. ou seja, os amigos dos filhos bem como seus amores, acabam também virando amigos dos pais e vice versa, gerando uma confusão geracional.
Quando constatamos nos pais do século XXI um desejo exagerado de ter a confiança do filho a ponto de literalmente querer estar familiarizado com as minúcias de sua vida, olha o que uma psicóloga narrou após receber em seu consultório um pai que levou sua filha pq segundo ele, ela não tinha, aos 16 anos de idade tido uma primeira experiencia sexual satisfatória: “A novidade inquietante é que, quando nós pais somos envolvidos nesse tipo de confidência, achamos a coisa positiva e nos parabenizamos pelo clima de confiança e de liberdade que conseguimos instaurar. Há quem chegue a emprestar a própria cama aos filhos, com a ideia de que é mais seguro permitir isso do que deixá-los ‘fazer’ sabe-se lá onde. Desse modo, porém, obliteram-se as consequências psíquicas do nosso ato, que elimina a dimensão de risco que todo crescimento comporta. Quando lhes oferecemos a nossa cama, perdemos e fazemos perder o direito à intimidade: uma cama compartilhada com os pais não é apenas uma metáfora de algo que não deveria ser compartilhado, mas existe ali um real, uma materialidade de odores e humores – ou sensações impalpáveis daqueles traços – que uma mudança rápida de lençóis certamente não evapora”.
Fato é que como li certa vez: “O espetáculo substituiu a vida, seja para os atores – os pais performáticos – seja para os demais, chamados a observar a apresentação da imaginária [constante] felicidade familiar”.
“O movimento psíquico debaixo da formação de uma família parece, hoje, ditado pela vontade de assegurar-se para sempre o afeto de alguém: da necessidade emocional de ter filhos como posse e sustentação da fragilidade dos adultos. O filho adquiriu mais importância que o projeto com o outro: a ênfase não mais no casal. […] Os pais deixam muito cedo de sentir-se em dois e não raramente preferem o filho ao parceiro, pois aquele daria maiores garantias afetivas: “Meu marido pode me deixar”, diz uma mulher jovem, “meu filho, nunca!”. A confusão emocional contida nessa declaração – escutada durante uma sessão, mas paradigmática de um sentimento difuso em toda uma geração de mulheres – mostra a falsa equivalência entre o amor por um parceiro e aquele por um filho, porque se trata de um amor pensado, em ambos os casos, unicamente sob a lente de uma garantia para si mesmo. Que hipoteca desastrosa está colocando essa mulher nos ombros de sua criança?”.
Tenho razões para crer que: “As novas gerações crescem em famílias em que a necessidade imediata de afeto substitui o empenho de educar para a autonomia”.
Por isso os pais deveriam atentar para não serem levados pela condição atual em que “parentalidade’ é a nova palavra-amuleto que, porém, não parece rimar com responsabilidade, mas antes com propriedade. Ser responsáveis por outro ser não é servir-se dele: o outro não pode ser um objeto que nos cura, nos salva, nos dá uma vida fácil e nos reassegura. ‘Meu filho’, diz-se na linguagem comum – mas o filho não é dos pais, é tarefa deles tornar possível que o filho se emancipe de si. A locução ‘meu filho’ deveria indicar mais simbolicamente ‘aquele que provém de mim’, aquele que está na minha linha de transmissão, cuja emancipação e futura capacidade de geração são responsabilidades minhas. A tarefa dos pais é extrair a hipoteca dos filhos, ou melhor, é nem sequer colocá-la sobre eles. A ideia de que um filho seja uma posse é o que coloca obstáculos nas difíceis relações entre pais separados. Recordemos o pedido paradoxal de Deus a Abraão: pedindo a ele para imolar seu filho Isaac – dom de Deus a um casal que não podia ter filhos – recordava-lhe que um filho não é uma posse dos pais, mas um dom que vem [de Deus, pela doação de um ao outro]”.
Incluso como m inseto no âmbar
“O mundo só existe graças à respiração das crianças nas escolas”. (ditado judeu)
“Imaginamos que devemos protegê-la do mundo, enquanto ela já está aprendendo aquele mundo que ela – não nós – habitará, aquele que ela – não nós – deverá modificar, mesmo com sua simples presença. Enquanto nós queremos esquecer esse mundo, mantê-lo do lado de fora da porta, esse mundo que tememos por ela – mas que não temíamos de fato por nós mesmos”.
É triste a constatação de a próxima geração seja resultado de pais que pensaram que era possível exercer esse papel de maneira full time.
Terrivelmente alguns pais parecem não saber mais o seu lugar na vida dos filhos, assim como em certa medida a sociedade também tem se colocado a margem na formação da próxima geração. Certo é o dizer africano de que: “para fazer um homem é preciso uma tribo inteira, é preciso laços de aliança além daqueles de sangue; cultura mais que natureza”.
E infelizmente quando a família não cumpre devidamente a parte que lhe corresponde, a escola, acaba sendo o ambiente em que o jovem pode salvar-se. E as comunidades cristãs deveria criar possibilidades para se tornarem a segunda grande alternativa desses jovens.
Aos considerarmos a disfuncionalidade familiar certo estava quem afirmou que: “não podemos mudar de onde viemos, podemos pelo menos decidir para onde ir. Naturalmente sem nenhum garantia de chegar“.
Muitos desejam estabelecer uma família, ter filhos, e isso não é errado, é um desejo até bíblico, só seria bom que antes de se dedicarem a construção dessas relações, saberem os preços que elas custam, pq o saber que conta é o que nos custa a pele. E se o que você pensa saber para estabelecer tais relações não te custou na pele, então é pq muito provavelmente você ainda não aprendeu o suficiente.
O cenitor Pigmaleão
Escrito de outra forma esse tópico pode ser entendido como “Os criadores da escultura”, pq é exatamente assim que alguns pais pensam que são seus filhos, um pedaço de mármore que aceitará qualquer forma que desejem transforma-lo. Mas se o próprio mármore não se sujeita a se transformar em qualquer forma com facilidade, o que faz alguém pensar que um ser humano se submeteria com menos trabalho.
Não é sem motivo que o culto a magreza é praticado por alguns filhos de pais que se vem como escultores. Claro que os pais devem ter uma opção de caminho a qual orientar os filhos, contudo obrigá-los a percorrer o mesmo, não encontra o apoio nem nas escrituras onde há uma das mais famosas declarações bíblicas: “Não por força nem por violência, mas pelo meu Espírito’, diz o Senhor dos Exércitos”. (Zacarias 4.6).
Por isso quando pais sofrem de Gula Afetiva, alguns filhos acabam se tornando anorexos físicos, emocionais, sociais, intelectuais na expectativa de deixarem de ser objeto de desejo por parte de seus pais, o que na maioria dos casos acaba tendo um efeito ainda mais contrário ao que se pretendia.
Alguém precisa lembrar a esse tipo de pais e responsáveis, que não existe fórmula pronta para a vida, e que ninguém tem todas as respostas para todas as circunstâncias que a vida nos apresenta.
“A vontade de modelar a existência dos outros nos remete também ao mito de Pigmaleão, escultor de Chipre narrado por Ovídio nas Metamorfoses. Ele criou uma estátua de mulher segundo o próprio ideal de beleza se apaixonou pelo seu artefato, ventindo-a, beijando-a e levando-a para a cama. […] A invasão na vida dos filhos, o querer ajudá-los em qualquer circunstância, o ser colocado a par de seus problemas, mesmo os mais reservados, não quer dizer ‘participar’ de suas vidas, mas conduzi-las fortemente. Essa atitude de suporte contínuo, que para existir se alimenta de confidências privadas, obstaculiza o filho no contato com a própria vida íntima, aquela que a cada um dá o sentido de existir”. (p. 56-57)
Em certa medida concordo com a escritora Laura Picozzi quando escreve que: “Todo mundo precisa de seu jardim secreto: ‘dizer tudo’ a um outro [que não a Deus] é desumanizante”. (p. 57)
E assim ocorrendo estes pais parecem alcançar o que em alguns casos é até inconsciente o desejo de que os filhos não se relacionem com mais ninguém. A ponto de em casos mais extremos, inibirem estes filhos a construção de uma relação matrimonial.
Pais que sofrem da síndrome do Pigmaleão costumam ser narcisistas e por isso não creem que os filhos tenham condições de ter autonomia para enfrentar a vida. A pais nesta condição fica o alerta para que não confundam “obediência” com perca de identidade.
Se a família se torna o único horizonte de um filho, se ela substitui o coletivo, impede-o de procurar seu lugar no mundo, antes mesmo que encontrá-lo. Ao sujeito, então, só resta falir, justamente como sujeito, fazendo-se objeto nas mãos do familiar e – fatalmente – em segundo lugar, do cônjuge. (p. 62)
“Um universo de angústia se escancara porque o terror é ficar à mercê do arbítrio de um Outro que se tornou o Um: o único no mundo, a única chance, a única via possível. O Único que acreditamos possa dizer-nos quem somos”. (p. 63)
Querer fazer da casa uma extensão do útero para os filhos é lhes proporcionar um ambiente em que só conseguiram se tornar observadores do amor, amor do qual foram privados de experimentar por si mesmo.
Pais-Pigmaleão criam “um mundo fechado aparentemente benéfico e torna os outros momentos da vida do filho – a escola, a brincadeira com os colegas, o relacionamento com os professores, os encontros – totalmente ineficazes”. (p. 64)
Muito se fala do amor materno e realmente deve ser falado, escrito, homenageado, mas não se pode ignorar que até mesmo a mais amorosa das mães podem inconscientemente está sendo tão malévola como as vilã de conto de fadas.
Pais Pigmaleão não fabricam laços, mas nós. (p. 66)
Pais que cumprem seu papel com eficiência buscarão ajudar seus filhos a manterem sempre em equilíbrio a resposta a estas duas questões: “o que eu desejo?” e “o que você quer de mim?”
Stendhal e Estocolmo
Em alguns casos de maneira consciente, em uma escala maior de maneira inconsciente, muitos pais tem se tornado sequestradores de seus filhos, e esses por sua vez de maneira consciente ou inconsciente tem nutrido uma relação afetuosa com esses sequestradores de sua mentalidade.
A saída de casa é dolorosa mais não superamos uma síndrome criando uma outra. Pais para não viverem a realidade do ninho vazio, fazem de tudo para ter o ninho emocionalmente superlotado. Pais que se enxergam perfeitos, tendem a limitar seus filhos de encontrarem seu lugar no mundo.
Em certa ocasião “um tribunal eclesiástico que emitiu uma sentença de anulação do vínculo matrimonial porque o marido não conseguia defecar nem tomar banho no banheiro do casal, mas para realizar essas funções primárias precisava necessariamente usar o banheiro [dos pais]”. (p. 75)
Além das mudanças tecnológicas, temos acompanhado a mudança na disposição dos filhos que “parecem não ter mais como prioridade ‘cair na estrada’. [onde em] anos atrás os filhos buscavam a sua autonomia renunciando aos privilégios de que gozavam na casa dos pais”. (p. 77) E assim como as mudanças tecnológicas estão trazendo impacto sobre a sociedade, essa postura deletéria de determinadas famílias, também trarão, se é que já não trouxe.
Pais maduros proporcionam aos filhos um ambiente em que eles possam exercer obediência mas também independência.
Por mais dolorosa que possa ser a separação entre pais e filhos ela é bíblica. Não é sem razão que a separação tem seu lugar na fundação do mundo, Deus na criação, separou a noite do dia; as águas em cima e em baixo, e disse que chegaria o dia em que os filhos deixariam os pais, para constituírem a sua família. (Gên 2.24)
Freud não estava errado quando escreveu que: “A emancipação da autoridade dos pais por parte do indivíduo que cresce é um dos êxitos mais necessários, mas também mais dolorosos, do desenvolvimento. É absolutamente necessário que tal emancipação ocorra, e é presumível que qualquer pessoa normal a tenha, em maior ou menor medida, realizado. Aliás, o progresso da sociedade baseia-se nessa oposição entre gerações sucessivas”. (O romance familiar, v.5, p. 471)
O avanços da família
Muitos pais pensam que seus filhos estão perdidos sem eles, mas não percebem que as crianças estão bem e que são eles que se sentem perdidos sem os filhos. (p. 94)
A Mãe e a mãe
“O excesso de contato que uma Mãe (com M maiúsculo) pode provocar nos filhos é uma experiência de perda de si mesmo e das próprias fronteiras, confundidas com as fronteiras dela”. (p. 107)
Quando puder, pesquisar a expressão “mãe-crocodilo” em Lacan.
“O ‘assim como te fiz, te desfaço’ é uma ameaça comum das mães e é eficaz porque, em nível inconsciente, a criança sente que o amor da mãe é também destrutivo”. (p. 109)
Vale sustentar a mulher na mãe, porque a mulher vem antes que a mãe. (p. 111)
Em contra partida a Mãe com “M” maiúsculo, a mãe com “m” minúsculo, leva “uma vida adulta e sentem ainda prazer em sair com o parceiro. São aquelas que conseguem criar os filhos envolvendo os pais e outras figuras preciosas, como tias, avós, […] não se creem o único universo bom para sua criança. […] são menos claustrofilizadoras, mas também menos reconhecidas na santificação da maternidade”. (p. 112)
Atenção! “A dialética entre mulher e mãe que habita todo ser feminino é obscura. A única clareza é que a mãe não é assexuada, principalmente não é para o filho. A criança encontra a mãe primeiro como mãe, mas depois, com sorte – em um trauma necessário -, como mulher […] a mãe que pensa ser ‘só’ a mãe rescinde a sua ligação com o aquilo que a constitui como sujeito dividido, ou seja, a própria sexualidade, deixando-a carregada de uma onipotência imaginária. Impõe, assim, à criança, um ideal de dedicação que a machuca, inaugurando um maltrato […] A Outra mãe [com ‘m’ minúsculo …] não flerta com o absoluto, que tolera a própria imperfeição e pode assim amar também a imperfeição dos seus afetos. Não é uma mãe ideológica”. (p. 112-113)
Amar o fato de que outro ser depende de nós não é desassociado à nossa necessidade de dependência. (p. 114)
O mais – materno
Pesquisar sobre: “A fenomenologia do hiperconsumo”.
“Uma das formas que o mais-materno contemporâneo adota é a mística do leite. Causou discussão a foto de capa publicada na capa da Time (21 de Maio de 2012) – em ocasião do dia das mães – com a manchete ‘Você é mãe o bastante?“. (p. 120)
Não importa a faixa etária da vida, tendemos a amar na mesma medida em que somos amados.
“Evitar a questão sexual, central para todo Sujeito, significa evitar um dos principais motores do pensamento”. (p. 123)
“O saber, para cada um de nós, é irresistivelmente ligado ao modo como fomos capazes – ou incapazes – de separar-nos da mãe da nossa Infância”. (p. 124)
“A mãe que, na própria cama, substitui o companheiro pelo filho está comunicando que é este último o verdadeiro parceiro para ela, e o coloca no circuito da repetição abusiva”. (p. 125)
“A mãe que dorme com o seu filho planta uma semente perversa no seu futuro”. (p. 126) Isso não quer dizer que essa semente crescerá e muito menos que crescendo dará fruto, mais é possível que o natural a toda semente também ocorra.
“Existe um mito em torno do parto, como demonstra a história de [mulheres], que já não são jovem, e que, depois de duas cesarianas, insistiu em querer um terceiro filho para experimentar a ‘alegria’ do parto natural. Porém, não é ali, na sala de parto, que uma mulher se torna mãe, mas na difícil, […] tarefa de educação e de crescimento”. (p. 128)
Pesquisar: Se há distinção entre orgasmo e orgásmico (presença simultânea a de dor e prazer)
“Mulheres jovens admitem, como se fosse a coisa mais natural do mundo, procurar um companheiro só para fazer um filho. Quero um filho e nada mais é o título de um reality show holandês em que as mulheres escolhem o homem ideal para a doação de esperma. Uma advogada de direito de família me contou ter ajudado um casal a passar em todos os testes para a adoção, apesar de um relatório não totalmente positivo do serviço social. Acrescentou, porém, ter se arrependido muito porque, logo que obtiveram a criança, a esposa pediu imediatamente a separação, para gozar sozinha o bem tão desejado. No Paquistão, o show Amaan Ramadan – sete horas ao vivo durante os dias de jejum do Ramadan – é conduzido por um célebre apresentador, um híbrido entre sex symbol e sábio religioso, que oferece prêmios em troca de respostas exatas a perguntas sobre o Alcorão. Durante o programa, crianças abandonadas foram oferecidas a alguns casais como prêmio. Apesar da polêmica, a ONG que colabora com o programa defendeu a iniciativa: este episódio demonstra, do modo mais extremo, o quanto a criança é hoje um objeto de mais-de-gozar, uma mercadoria a ponto de ser oferecida como prêmio”. (p. 129-130)
“Os adultos que se mostram tiranizados pelos pequenos fingem, mas na realidade gozam: amam ser invadidos pelo filho. A atenção excessiva atribuída nas famílias aos requisitos infantis – induzida socialmente por programas que mostram exauridos todos os pedidos dos pequenos consumidores – encontram espaço naqueles pais que temem apostar em uma vida adulta. Um filho é cada vez mais desejado como um tipo de antidepressivo. O que poderiam transmitir um pai ou uma mãe assim, senão a tendência a usar o outro, como eles mesmos usam os próprios filhos?”. (p. 130)
🧠 “As confidências que um adulto faz a uma criança, que sentido podem ter? A pessoa não espera, claro, um conselho do menor: o que faz é agregá-lo a si, torná-lo camarada das próprias escolhas e frustrações. Os filhos hoje, sabem demais dos pais, conhecem inumeráveis detalhes de sua vida relacional e conjugal que, porém, não são fruto de curiosidades normais e descobertas, como deveriam ser. Os filhos nos observam muito, sabem muito de nós, e o nosso ‘contar’ excessivo pode fazer desaparecer neles o desejo de elaborar hipóteses com base em suas análises espontâneas. A mãe ‘amiga’ não é mais que uma mãe adolescente e indecente. Cada vez que um adulto precisa compartilhar uma confidência secreta com um menor, entramos no campo do abuso que, de fato, requer cumplicidade”. (p. 131)
“É particularmente importante compreender as questões da alienação parental inseridas no mais-materno“. (p. 133)
“Talvez não seja supérfluo sublinhar que mãe-crocodilo e mãe-narciso são modalidades equivalentes do mais-materno: ambas sequestram o filho, ambas o alienam em si. Todas duas operam no plano da exibição – outra característica pós-capitalista -, seja quando contam vantagem do filho-falo, seja quando falam das medalhas que lhe seriam devidas pela peleja que é cuidar de uma criança. O narcisismo é apenas a forma que tomou hoje a mãe-crocodilo, cujo gosto de assimilação permanece, com novas vestes”. (p. 133)
“A definição [queridinho da mamãe] era reservada aos incapazes, aos molengas, àqueles que eram considerados um pouco bobos. “Queridinho da mamãe” é, hoje, uma locução quase de prestígio. Fizeram até um jornal, dedicado às mães, com esse nome. “Os queridinhos da mamãe” são todos os filhos a quem não se pede nem um mínimo de colaboração na organização prática da vida familiar: não devem realizar nenhuma tarefa doméstica, nenhum pequeno serviço à comunidade, são relegados a um limbo de inatividade e preguiça que não lhes transmite o gosto pelo trabalho bem-feito. Certamente, depois de tê-los criado tão dependentes, não se confia neles. Como consequência, os filhos conhecem sempre menos o valor das pequenas coisas a fazer que a vida requer, como o conhecido resultado que o espaço comum da casa é com frequência invadido pelos brinquedos ou roupas das crianças, largados sem lógica nem ordem. A tarefa que cada membro da família assume o responsabiliza e o define, testa sua competência e melhora o seu sentido de pertença”. (p. 134)
“No caso dos filhos ‘inseridos’ na sociedade e que talvez tenham obtido visibilidade e reconhecimento, o discurso social atribui tudo à mãe, como se fosse ela a grande ‘autora’. Para cada filho famoso assumiu-se o ridículo costume de entrevistar a mãe gloriosa: as mães dos pseudocampeões da atualidade”. (p. 135)
“Quanto à confusão dos papéis familiares, foi muito desconfortável escutar um pai que, falando da filha de cinco anos, definiu-a sem ironia como ‘a mulher mais importante da minha vida’: os pais também podem ocupar a posição do mais-materno. O amor entre amantes e aquele pelos pais são desiguais e não é interessante utilizar as mesmas palavras. A linguagem não é uma simples função do homem, um objeto de uso e de comodidade; a linguagem é o que nos constitui enquanto seres humanos, isto é, falantes: somos feitos de linguagem e por ela podemos ser destruídos. Confundir linguisticamente o amor filial com o amor por um homem ou por uma mulher empobrece a vida amorosa dos filhos, que passam a acreditar que esta deva necessariamente parecer com aquela familiar, esperando do amante, como consequência, prestações ambíguas de tipo paterno”. (p. 135-136)
“A Mãe como patrão é perigosa porque a máscara da ternura e o mito do amor incondicional são elementos que ocultam seu poder, mas a estrutura da relação de poder não muda, mesmo mudando o patrão”. (p. 136)
Uma violência familiar
Atenção, esse tema em especial deixarei para considerarmos em outro momento, por hora vamos ficar apenas com essa complexa questão: “O que os filhos devem aos pais?”. Eis uma pergunta que deverá gerar muita reflexão e discussão.
“[…] o que um pai ou mãe fazem por um filho não pode, nem deve ter nada a ver com o que o filho fará por ele. Ser pai ou mãe é algo que se deve aceitar [digamos] como um mau negócio. Melhor saber desde o início que existe uma data de validade para ser pais, que os filhos tornam-se homens e mulheres e que é ótimo que precisem de nós o mínimo possível!”. (p. 154)
Outra triste realidade é a percepção de que “a obrigação ao diálogo [invasivo] tomou o lugar da obediência à autoridade de antigamente”. (p. 154)
O trabalho do Pai
“[…] qual é o espaço que pai pode tomar para [deixar] um traço nos filhos? Se a mãe tende a deixar os seios inteiros para eles”. (p. 159)
É um apelo veemente que faço a todo pai, não seja anônimo, não seja tirano, não seja omisso. O pai pode desempenhar um papel importante na vida dos filhos ao lhe preparar para as alternância da vida “entre gratificação e desilusões”. (p. 160)
E famílias, cuidado, “o pai que se crê um salvador pede demais em troca”. (p. 161)
Contudo, “é com o seu corpo de homem que o pai anuncia o fim da era da simbiose, que expele as práticas de inclusão, que abre a clausura, até restabelecer a proporção das fronteiras. Impele mãe e criança a distinguir-se em seres finitos restabelecendo o casal legítimo; tudo isso sem certeza preventiva de sucesso: se uma mãe não quer destacar-se do filho, nenhum pai poderá conseguir isso sozinho“. (p. 162)
Por mais que se ignore fato é que: “O ser humano precisa da função paterna, quem quer que seja que a pratique”. (p. 165) Com todos as suas “limitações”, “erros” e “nãos”.
Conclusão
“Um sujeito encontra o amor, quando deixa a casa dos pais e aceita o exílio do corpo da mãe: perde algo para não se perder no todo”. (p. 169)
Em certa medida “a verdadeira filiação é ter recebido dos próprios pais a possibilidade de [ser independente] para sempre, mas, se esta herança não existir, é preciso se apropriar dela”. (p. 170)
Fonte: PIGOZZI, Laura. Meu Filho me adora: Filhos reféns e pais perfeitos. São Paulo: Buzz Editora, 2018.
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No mais, sigamos vivendo tão somente para honra e glória de Deus,
Que o amor por Cristo seja nossa motivação!