Por vezes somos procurados por alguém que aparenta desejar saber o que temos a dizer a respeito do desconforto que a pessoa esteja sentido ou uma decisão que ela precise tomar. O texto abaixo é compartilhado com o objetivo de te ajudar a ter uma compreensão mais ampla do que de fato a pessoa pode estar passando. Espero que essa leitura lhe ajude a não ser tão apressado em dar seu conselho.
Reaprendizado emocional e recuperação de um trauma1
“Irene foi a um encontro romântico que acabou em tentativa de estupro. Embora ela houvesse resistido ao atacante, ele continuou a persegui-la: incomodando-a com telefonemas obscenos, ameaçando-a, telefonando no meio da noite, tocaiando-a e observando todos os seus movimentos. A certa altura, quando ela pediu ajuda à polícia, os policiais consideraram que seu problema não era caso de polícia, já que “nada de fato acontecera”. Quando recorreu à terapia, Irene tinha sintomas de PTSD, desistira de toda vida social e sentia-se prisioneira em sua própria casa”.
“O caso de Irene é citado pela Dra. Judith Lewis Herman, psiquiatra de Harvard cujo trabalho pioneiro traça as etapas para a recuperação de um trauma. Ela vê três etapas: obter uma sensação de segurança, lembrar os detalhes do trauma e lamentar a perda que ele trouxe e, finalmente, restabelecer uma vida normal. Há uma lógica biológica na ordenação dessas etapas, como veremos: essa sequência parece se refletir no cérebro emocional, que reaprende que a vida não precisa ser encarada como uma emergência iminente”.
“O primeiro passo, a reconquista do sentimento de segurança, tem por objetivo descobrir formas de acalmar os circuitos emocionais demasiado amedrontados e facilmente disparáveis, bastantes o suficiente para ensejar o reaprendizado2. Muitas vezes isso começa com a ajuda aos pacientes para que entendam que seu nervosismo e pesadelos, hipervigilância e pânicos fazem parte dos sintomas do PTSD. Ao entenderem esse mecanismo, os próprios sintomas se tornam menos assustadores”.
“Outro passo consiste em ajudar os pacientes a reconquistar algum senso de controle sobre o que lhes acontece, um desaprendizado direto da lição de impotência transmitida pelo trauma que sofreram. Irene, por exemplo, mobilizou a família e os amigos para formar um anteparo entre ela e seu perseguidor, e conseguiu fazer com que a polícia interviesse”.
“A sensação de “insegurança” dos pacientes com PTSD vai além do temor de estarem cercados por perigos ocultos; a insegurança deles começa mais intimamente, com um sentimento de descontrole sobre o próprio corpo e as emoções. Isto é compreensível, em vista do gatilho sensível para o sequestro criado pelo PTSD com a hipersensibilização dos circuitos da amígdala”.
“A medicação auxilia os pacientes a não se sentirem tão à mercê dos alarmes emocionais que os inundam de inexplicável ansiedade, que lhes tiram o sono ou que causam pesadelos. Os farmacólogos esperam um dia preparar remédios específicos que atuem diretamente sobre os efeitos do PTSD sobre a amígdala cortical e circuitos neurotransmissores a ela ligados. Mas, enquanto isso não acontece, há medicamentos que combatem apenas algumas dessas mudanças, notadamente os antidepressivos, que atuam no sistema de liberação da serotonina, e os betabloqueadores como o propanolol, que bloqueiam a ativação do sistema nervoso simpático. Os pacientes também podem aprender técnicas de relaxamento que lhes permitam combater a ansiedade e o nervosismo. A calma fisiológica oferece espaço para que os brutalizados circuitos emocionais redescubram que a vida não é uma ameaça, e para dar aos pacientes a sensação de haverem recuperado a segurança que tinham antes da ocorrência do trauma”.
“Outro passo na cura envolve contar e reconstruir a história sob a proteção dessa segurança propiciada pelo remédio ou pelo relaxamento, o que permite que os circuitos emocionais adquiram uma compreensão e resposta novas e mais realistas à lembrança traumática e seus gatilhos. À medida que os pacientes narram os horríveis detalhes do trauma, a memória começa a transformar-se, tanto em seu significado emocional quanto em seus efeitos sobre o cérebro emocional. O ritmo dessa narrativa é delicado; idealmente, imita o ritmo que ocorre naturalmente nas pessoas que conseguem recuperar-se do trauma sem sofrer PTSD. Nesses casos, muitas vezes parece haver um relógio interno que “dosa” as lembranças intrusas que revivem o trauma, que as interrompe durante semanas ou meses nas quais o paciente mal se lembra de alguma coisa dos horríveis acontecimentos”3.
“Essa alternância de reimersão e alívio permite um exame espontâneo do trauma e o reaprendizado da resposta emocional a ele. Para aqueles cujo PTSD é mais difícil de ser tratado, diz a Dra. Herman, narrar a sua história às vezes dispara temores arrasadores, caso em que o terapeuta deve reduzir o ritmo para manter as reações do paciente dentro de um certo nível de tolerância, de forma a não comprometer o reaprendizado”.
“O terapeuta encoraja o paciente a contar os fatos traumáticos o mais vividamente possível, como se fora filme de terror, recuperando cada sórdido detalhe. Isso inclui não apenas as coisas específicas que viu, ouviu, cheirou e sentiu, mas também suas reações — pavor, nojo, náusea. O objetivo aqui é expressar a lembrança em palavras, o que significa captar partes dela que podem ter sido dissociadas e, portanto, estar ausentes da memória consciente. Quando detalhes sensoriais e sentimentos são expressos em palavras, presume-se que as lembranças fiquem mais sob o controle do neocórtex, onde as reações que elas disparam podem ser tornadas mais compreensíveis e também mais controláveis. O reaprendizado emocional nesse ponto é, em grande parte, conseguido pelo reviver dos fatos e das próprias emoções, mas desta vez num ambiente de segurança, em companhia de alguém em quem se confia, no caso o terapeuta. Isso começa a transmitir uma lição reveladora aos circuitos emocionais — de que se pode sentir segurança, e não implacável terror, juntamente com as lembranças do trauma”.
“O menino de 5 anos que desenhou olhos enormes depois de assistir ao sangrento assassinato de sua mãe não fez mais nenhum outro desenho depois do primeiro; em vez disso, ele e o terapeuta, Spencer Eth, brincaram, estabelecendo um elo entre si. Só muito aos poucos o garoto começou a contar a história do assassinato, a princípio de uma forma estereotipada, recitando cada detalhe exatamente da mesma forma a cada repetição. Aos poucos, porém, sua narrativa foi se tornando mais aberta e solta, o corpo se relaxando à medida que ele falava. Ao mesmo tempo, seus pesadelos com a cena tornaram-se menos frequentes, uma indicação, diz Eth, de um certo “domínio do trauma”. Gradualmente, a conversa dos dois foi se afastando dos temores deixados pelo trauma e passando mais para o que acontecia no cotidiano do menino, que estava se ajustando num novo lar com o pai. E finalmente ele pôde falar apenas de sua vida diária, enquanto a força do trauma desaparecia”.
“Finalmente, a Dra. Herman constata que os pacientes precisam lamentar a perda trazida pelo trauma — seja um ferimento, a morte de um ente querido ou o rompimento de uma relação, o arrependimento por não ter feito alguma coisa para salvar alguém, ou apenas a perda da confiança nas pessoas. O lamento que se segue ao contar esses fatos dolorosos serve a um fim crucial: assinala a capacidade de livrar-se em certa medida do trauma. Isso quer dizer que, em vez de ficar perpetuamente preso naquele momento do passado, os pacientes podem começar a olhar para a frente, até mesmo ter esperança, e reconstruir uma nova vida, livre das garras do trauma. É como se o constante reciclar e reviver do terror do trauma pelos circuitos emocionais fosse um sortilégio que pôde ser finalmente quebrado. Cada sirene não precisa trazer um dilúvio de medo; cada som na noite não precisa impor um flashback de terror”.
“Muitas vezes persistem efeitos posteriores ou recorrências ocasionais de sintomas, diz a Dra. Herman, mas há sinais específicos de que o trauma foi em grande parte superado. Entre esses sinais estão a redução dos sintomas fisiológicos a um nível controlável e a capacidade de suportar os sentimentos associados a lembranças do trauma. Especialmente significativo é não ter mais erupções de lembranças do trauma em momentos incontroláveis, mas antes poder rememorá-los voluntariamente, como qualquer outra lembrança — e, o que é talvez mais importante, afastá-los como qualquer outra lembrança. Finalmente, significa reconstruir uma nova vida, com relações fortes, de confiança, e um sistema de crenças que encontra sentido mesmo num mundo onde acontece tal injustiça4. Tudo isso junto são sinais de sucesso na reeducação do cérebro emocional”.
Notas:
1. GOLEMAN, Daniel. “Inteligência Emocional: a teoria revolucionária que redefine o que é ser inteligente”. 2ª ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. p. 227-230.
2. Caminho para recuperação de um trauma: Judith Lewis Herman, Trauma and Recovery (Nova York: Basic Books, 1992).
3. “Dosagem” do trauma: Mardi Horowitz, Stress Response Syndromes (Northvale, NJ: Jason Aronson, 1986).
4. Outro nível em que se dá o reaprendizado, pelo menos em adultos, é filosófico. A eterna pergunta da vítima — “Por que eu?” — tem de ser feita. O fato de ser vítima de um trauma despedaça a fé da pessoa em que o mundo é um lugar no qual se pode confiar, e que o que nos acontece nesta vida é justo — quer dizer, que podemos controlar nosso destino vivendo uma vida virtuosa. As respostas aos enigmas da vítima, claro, precisam ser filosóficas ou religiosas; a tarefa é reconstruir um sistema de crença ou fé que permita viver mais uma vez como se se pudesse confiar no mundo e nas pessoas que nele habitam”.
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