Uma breve consideração sobre o uso da inteligência artificial no ministério pastoral
Uma breve consideração sobre o uso da inteligência artificial no ministério pastoral

Uma breve consideração sobre o uso da inteligência artificial no ministério pastoral

Embora a Inteligência Artificial tenha se popularizado com o lançamento do Chat GPT em novembro de 2022, só dei a devida atenção à plataforma oito meses depois. A primeira vez que tomei conhecimento sobre o Chat GPT foi em 16 de fevereiro de 2023, através de um vídeo no YouTube, onde um pastor apresentava o resultado de tentar aprender teologia por meio desse recurso. Lembro-me de nem ter terminado de ver o vídeo em questão, uma vez que as respostas eram bastante limitadas. A segunda vez que me deparei com a novidade foi no início do mês de julho. Eu estava em Governador Valadares, MG, para um encontro de pastores, quando, durante o almoço, perguntei a um irmão de ministério se ele já havia ouvido falar do Chat GPT. Ele me mostrou o aplicativo em seu celular e explicou como havia evoluído desde seu recente lançamento. No final do mês, ao ajudar um amigo em sua dissertação de mestrado, me deparei com o aplicativo pela terceira vez, e foi nessa ocasião que vi o real potencial da inteligência artificial. Após perceber do que ela é capaz, o sentimento foi, a princípio, de alegria, seguido de preocupação.

Em 6 de setembro de 2023, inscrevi-me em um curso sobre “Carreira em Inteligência Artificial” para me familiarizar mais com a plataforma. Ao término do curso, somado a outras leituras sobre o assunto, decidi que deveria escrever sobre o tema.

É um fato incontestável que não é de hoje que a artificialidade tem encontrado notoriedade em nossa sociedade. Quem nunca se enganou com plantas que, aos olhos, pareciam naturais, mas ao tocá-las percebemos que não passavam de algo artificial? E o que dizer dos alimentos cheios de aromas e sabores artificiais? Assim como buscamos usar com uma certa moderação esse excesso de oferta artificial, estou certo de que, assim como eu, você também seguirá com o mesmo cuidado ao fazer uso da inteligência artificial.

Um pouco de contexto sobre essa tal de Inteligência Artificial (I.A.)

Segundo a teoria de Schumpeter, estamos na sexta onda tecnológica. Enquanto alguns têm medo de acompanhar os avanços tecnológicos, outros procuram tirar vantagem. Foi sempre assim em todas as épocas, e agora não será diferente. A questão que cabe a você responder é: você irá se juntar aos medrosos/acomodados ou aos corajosos/inovadores?

Se você se juntar aos medrosos/acomodados, saiba que você não é tão medroso assim; você já usa a inteligência artificial há muito tempo, em muitos dispositivos, e pode não estar consciente disso. Por exemplo, quando você aceita uma sugestão de correção ortográfica, já está fazendo uso de uma I.A.

É importante saber que “três invenções ou conceitos contribuem para o poder que a IA possui hoje. A primeira invenção é um software como o Hadoop, que pode processar big data. Em segundo lugar, os computadores, tendo melhorado significativamente seu poder de processamento, podem agora lidar com grandes quantidades de dados. E, finalmente, a IA foi agora projetada para ‘imitar a rede neural dos seres humanos e tem a capacidade de perceber, identificar, julgar e prever objetos'”¹.

Levando em consideração a pirâmide DIKW (acrônimo das palavras em inglês: Dados, Informação, Conhecimento e Sabedoria), entendemos que “dados são fatos desorganizados que, quando organizados e contextualizados, se transformam em informações com significado. Ao entender como aplicar essas informações para um determinado propósito, produzimos conhecimento. E quando temos habilidade para aplicar o conhecimento da melhor forma possível e alcançar nossos objetivos, atingimos o ápice da pirâmide: a sabedoria”².

Perguntas para estimular a nossa reflexão:

  1. Você está preparado para viver na era da I.A. (Inteligência Artificial)?
  2. O que pode ser dito sobre o uso intencional da I.A. no âmbito espiritual e eclesiástico?
  3. Quais são as implicações para o ministério pastoral?³
  4. O que pode ocorrer com um pastor que já vivia um ministério artificial ao ter à disposição agora uma inteligência artificial?
  5. A inteligência artificial vem para potencializar um ministério pastoral artificial ou será um recurso para aprimorar um ministério pastoral real?
  6. Que limites poderão ser estabelecidos para equilibrar o uso eficiente da inteligência artificial sem que esta atrofie o ministro que faz uso dela em virtude de suas limitações humanas?
  7. “O que acontecerá à ligação entre humanos, tão vital no ministério pastoral, quando as interações são mediadas ou mesmo substituídas pela I.A.? E quanto à obra do Espírito Santo no ministério?”⁴
  8. “Até que ponto as ferramentas e plataformas são o bem mais importante em uma comunicação estratégica religiosa que precisa estabelecer fortes impressões em seu público?”⁵ “Se o conhecimento se torna comoditizado e abundante, o que fará diferença, ou o que gerará valor neste novo futuro?”⁶

A vida não é estática

Ao longo da história, temos acompanhado as constantes mudanças resultantes dos avanços tecnológicos. Sempre que usados com sabedoria, esses avanços contribuem significativamente para que o povo de Deus continue cumprindo a missão que Deus lhes confiou.

Quando lemos que Jesus veio na plenitude dos tempos, sabemos que, entre outras razões, esse tempo favorável resultava de avanços que contribuiriam significativamente para a propagação das boas novas. Realmente, devemos utilizar tudo o que estiver ao nosso alcance, desde que não infrinja os princípios bíblicos. O que dizer do período da Reforma Protestante? Teria ela todo o alcance sem o auxílio da imprensa de Gutenberg? E o evangelismo via satélite? É um fato que a igreja não pode ficar estagnada aos recursos e métodos medievais. No entanto, não é sem a devida reflexão e muita oração que ela precisa estar constantemente submetida antes da admissão de novos recursos ou mudanças nos métodos até então utilizados.

Outra realidade imutável nesse mundo de constantes mudanças é que, para se fazer o mal, não é necessário nenhuma nova tecnologia. Para ceder ao pecado, não foi necessário nenhuma nova tecnologia, exceto aquela que temos feito uso desde os nossos primeiros anos de vida: a capacidade de se comunicar. Desde que a Palavra de Deus foi substituída pela palavra da Serpente, vivemos nesse conflito constante sobre qual palavra seguiremos. Se a de Deus por meio da Bíblia ou se mais uma vez deixaremos a Palavra de Deus de lado para dar lugar à inteligência artificial.

A inteligência artificial será um auxílio ao ministério pastoral ou será o seu substituto?

Esse é o tipo de pergunta que vem à mente a todo segmento que pode ser mais significativamente afetado pelas inovações. Os correios fizeram essa pergunta quando o e-mail foi popularizado. E ambos seguem em pleno uso até hoje. Agora, assim como os pastores são falíveis e precisam ter suas credenciais constantemente verificadas, o mesmo precisa ser aplicado à Inteligência Artificial.

Em todo caso, segundo as palavras do Dr. Gungadoo, temos pouco com o que nos preocupar se levarmos em consideração que: “Embora a IA possa tornar-se bastante inteligente em certas áreas, nunca poderá substituir a inteligência humana criada por Deus porque, francamente, nós próprios não compreendemos muito bem a inteligência humana. Como, então, podemos replicá-la?”7.

Por mais eficiente que uma I.A. seja, ou se torne, tudo que o ser humano desenvolveu até aqui conseguiu melhorar a realização de suas atividades ou conduzi-lo para outra finalidade, mas a substituição completa é uma preocupação inexistente para aqueles que são criacionistas. “Vemos a IA como uma ferramenta avançada que podemos utilizar para melhorar o trabalho missionário, e não como um substituto da criatividade humana”8.

Curiosamente, enquanto escrevia esse artigo, um amigo me enviou o link de uma matéria que fala de uma experiência vivida por uma igreja cristã na Alemanha em que avatares dirigiam um culto para pessoas reais. Embora saibamos que a Inteligência Artificial seja excelente na execução de tarefas programadas com grande sucesso, prova que os avatares foram bem avaliados quanto ao conteúdo. Falta-lhes a capacidade de pensar criativamente ou de se desviar dos seus parâmetros predeterminados. Vamos aguardar para ver como eles se sairão, por exemplo, com alguém que acaba atrapalhando o culto por estarem alcoolizados ou com alguma outra desordem.

Temos ainda outro fator de extrema importância, inclusive é o ponto que me levou a toda essa reflexão e que encontrei bem resumido no que escreveu o doutorando Eric Louw: “Como o aprendizado de máquina é baseado em algoritmos preditivos, as tecnologias de IA baseadas em texto são boas para escrever alguns tipos de e-mails, textos de anúncios e outras necessidades administrativas genéricas. No entanto, quando se trata de ministério, alguns cuidados são necessários porque o Cristianismo tem um componente espiritual. Um chatbot de IA pode ser capaz de produzir um esboço de sermão que se pareça com um sermão. Ainda assim, não pode substituir a orientação, a compreensão teológica, as emoções e os insights do Espírito Santo sobre a experiência cristã”9.

Um segundo aspecto que me levou a considerar as vantagens e desvantagens do uso da I.A. por pastores foi também muito bem escrito pelo Pr. San Neves: “A vantagem das novas ferramentas de IA para clérigos genuinamente competentes e compassivos é que lhes permite demonstrar isso mesmo quando ministram numa língua estrangeira ou não tiveram a oportunidade de uma educação extensiva. Por outro lado, os pastores que não são competentes ou compassivos podem agora projetar uma imagem falsa que não reflete a realidade. Permite-lhes enganar, o que terá consequências terríveis, especialmente se forem colocados em congregações para as quais não estão qualificados para liderar”10. Dito de outra forma, a ascensão da inteligência artificial no ministério pastoral pode contribuir significativamente para o declínio do pastor se este, por sua vez, não tomar os devidos cuidados.

Atenção! A inteligência artificial pode preparar ótimos sermões, poupando-lhe tempo e trabalho, mas por enquanto será você que ainda terá que subir no que é classificado por John Stott como o lugar mais perigoso para os filhos de Adão estarem: o púlpito. Sim, você pode pregar um sermão preparado por uma I.A., mas será tão eficaz para sua igreja como qualquer outro sermão pronto que você já usou, após se levantar tão sem Deus como quando se dispôs a pregar o que você não submeteu ao filtro da sua intimidade com o Espírito Santo. Tenhamos sempre em mente o que nos advertiu o Pr. Josué Espinosa: “Como pastores, precisamos depender do Espírito Santo, não de algoritmos”11.

Como tenho me beneficiado da Inteligência Artificial:

  1. Embora ela não seja teologicamente segura para produzir um texto, tem-me sido muito útil para refinar a qualidade de um texto produzido. Submetendo meu texto a uma avaliação de coerência e quais pontos fracos a serem melhorados.
  2. Buscar indicações de referências com expressão mundial sobre temas a serem estudados.
  3. Ter acesso a ideias centrais sobre linhas de pesquisas desenvolvidas por outras personalidades.

Embora reconheçamos os inúmeros benefícios de todos os avanços tecnológicos, antes de passarmos à conclusão de tudo que destaquei até aqui, quero chamar a atenção para três cuidados que devemos ter:

  1. O maior de todos os problemas: “Assim como o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, a IA está sendo desenvolvida à imagem e semelhança do homem”12. Ou seja, o seu banco de dados vem com todos os valores, conceitos, preconceitos e crenças ou o consentimento daqueles que o disponibilizaram e o atualizam.
  2. “Nesta era de imediatismo, usar a IA um dia antes de pregar parece ser uma tentação atraente. De fato, estamos imersos na cultura do fácil, do descomplicado, do rápido. Assim, sobra mais tempo para se perder em coisas superficiais, como curtir fotos ou assistir a vídeos de entretenimento. No entanto, o ministério pastoral não deve estar refém dessa cultura fast-food, alimentando-se de comida processada, artificial e sem nutrientes […]”13.
  3. A velocidade com que o conteúdo é produzido pela I.A., por vezes, pode não ir além da mediocridade da sabedoria convencional. Como já dissemos anteriormente, a inteligência é artificial, não original. Embora já faça bastante tempo que nos contentamos com o jargão popular que diz: “Quem não tem condições de criar deve ter coragem de copiar”, ainda assim, essa cópia quando feita de um ser humano copiando o outro acaba preservando, em alguma medida, as peculiaridades de cada indivíduo. Ainda levando em consideração essa última preocupação, devemos considerar que: “O acesso rápido e fácil à informação aparentemente infinita pode minar o discipulado. Afinal, por que trabalhar duro para estudar a Bíblia e crescer em conhecimento se um robô pode fazer isso por você? A IA generativa, portanto, promete eficácia e economia de tempo na realização de algumas tarefas, mas oferece aos seus usuários resultados que não envolvem trabalho ou esforço pessoal”14.

Conclusão

É certo que “à medida que a I.A. generativa continua a avançar e a tornar-se mais acessível, irá sem dúvida remodelar a forma como trabalhamos, criamos e vivemos no futuro”15. Por isso, quanto mais cedo nos familiarizarmos e, na medida do possível, nos adiantarmos a eventuais dificuldades resultantes desta nova realidade, melhor.

E por mais poderosa que a I.A. esteja, ela ainda não superou o ser humano para entender outro ser humano. Por isso, devemos fazer uso da I.A. para aquilo que é de ordem mais mecânica e usarmos o tempo que dedicaríamos a essas atividades para fortalecer nossa inteligência espiritual e emocional, nossos relacionamentos e nossa criatividade.

Ambientes profissionais que desejam prosperar na era da I.A. “devem colocar os relacionamentos e a sabedoria em primeiro lugar. Isso implica promover ativamente um ambiente de trabalho que enfatize a empatia, a inteligência emocional e a cooperação. […] Isso implica dar aos trabalhadores a chance de se desenvolver, crescer e se esforçar, além de capacitá-los a se arriscar e falhar. As empresas podem aproveitar a sabedoria coletiva de sua força de trabalho e promover a inovação, permitindo que os funcionários tenham a oportunidade de experimentar coisas novas. E claro, mais do que nunca, saber se comunicar, se expressar, ou mesmo ser entendido se tornou uma competência de altíssima necessidade. […] Embora essa mudança possa ser desafiadora, não temos outra escolha a não ser nos adaptar.”16. Se essa tem sido a percepção dos meios profissionais, deveríamos esperar menos dos círculos pastorais?

“O cerne do ministério pastoral não está em sermões perfeitos, no trabalho administrativo impecável ou na gestão eficiente de tarefas. Em vez disso, é nos momentos de conexão humana que partilhamos com os nossos fiéis, o amor que transmitimos através do nosso trabalho e o amor que inspiramos nas nossas comunidades. Esses momentos são exclusivamente humanos, nascidos da nossa capacidade de compreender, ter empatia e conectar-nos genuinamente com os outros. À medida que continuamos a navegar na intersecção entre a IA e o ministério pastoral, lembremo-nos de usar a ferramenta com sabedoria, sem nunca perder de vista o amor genuíno que está no cerne da nossa vocação”17.

“Se você usar a IA sem nenhuma convicção ética, cometerá erros éticos. Por quê? Porque você acabará caindo no utilitarismo, que tem a seguinte premissa: ‘Se fazer x atinge o objetivo de maneira mais eficiente, então fazer x é o correto.’ Portanto, como pastores, devemos usar a IA de maneira assertiva. Se você não está disposto a dizer aos membros de sua igreja ou aos administradores de seu campo que seus sermões são preparados com o ChatGPT, então não use”18.

Caso queira conversar um pouco mais sobre o tema, é só entrar em contato @ReynanMatos

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Referências

1. Damian Chambers. Shepherding with silicon. 

2. Billy Nascimento. O Declínio da Economia do Conhecimento na Ascensão da Inteligência Artificial.

3. Walter Steger. Revista ministério: Uso responsável. NOV/DEZ – 2023 p. 35

4. Truman Alyssa. The robot will see you now: Artificial intelligence and the christian faith

5. Felipe Lemos. ChatGPT, inteligência artificial e a comunicação com os públicos

6. Billy Nascimento. O Declínio da Economia do Conhecimento na Ascensão da Inteligência Artificial.

7. Daryl Gungadoo. Divinity and datasets.

8. Damian Chambers. Shepherding with silicon. 

9. Eric Louw. Ministry and artificial intelligence the new frontier.

10. San Neves. Church in the age of algorithms and AI: Opportunity or minefield? Atenção: O melhor de todos os artigos citados.

11. Josué Espinoza. Revista ministério: A imagem de quem?. NOV/DEZ – 2023 p. 7

12. idem

12. Adolfo Suárez. Revista ministério: Perigos da IA. NOV/DEZ – 2023 p. 13

13. Walter Steger. Revista ministério: Uso responsável. NOV/DEZ – 2023 p. 35

14. Maryam. How AI tools will revolutionize the way we work, create, and even live.

15. Billy Nascimento. O Declínio da Economia do Conhecimento na Ascensão da Inteligência Artificial.

16. San Neves. Church in the age of algorithms and AI: Opportunity or minefield? Atenção: O melhor de todos os artigos citados.

17. Walter Steger. Revista ministério: Uso responsável. NOV/DEZ – 2023 p. 35

 

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