Amar e trabalhar, disse certa vez Sigmund Freud a seu discípulo Erik Erikson, são capacitações correlacionadas que indicam que alcançamos a plena maturidade. Se for assim, então a maturidade pode ser considerada uma etapa da vida em vias de extinção — a incidência de divórcios aponta para a necessidade crucial de uma inteligência emocional.
Vejamos as estatísticas. A porcentagem anual de divórcios mais ou menos estabilizou-se. Mas há outro modo de calculá-la, um modo que aponta para uma perigosa ascensão desse percentual: basta constatar a probabilidade de pessoas recém casadas eventualmente se divorciarem. Embora a taxa real tenha parado de crescer, o risco de os casais recentes se divorciarem tem aumentado.
Essa tendência fica mais evidenciada se compararmos, ano a ano, o percentual de divórcios. Nos Estados Unidos, daqueles que se casaram em 1890, cerca de 10% se divorciaram. Para os casados em 1920, a taxa foi de cerca de 18%; para os casados em 1950, 30%. Em 1970, havia 50% de possibilidade de os casais se separarem. E, para os que se casaram a partir de 1990, a probabilidade de se divorciarem se aproximava do desnorteante 67%.1 Se esta estimativa se mantiver, só três em dez dos recém-casados podem ter a expectativa de se manterem casados.
Pode-se argumentar que o aumento do número de divórcios não deva ser o resultado de uma redução da inteligência emocional, mas sim decorrente do declínio das pressões sociais que antes mantinham unido o mais infeliz dos casais. Mas, se por um lado as pressões sociais não mais sustentam um casamento, por outro as forças emocionais do casal se tornaram cruciais para o prosseguimento de sua união.
Os liames entre marido e mulher — e os desencontros afetivos que podem separá-los — têm sido avaliados nos últimos anos com uma precisão nunca vista. Talvez a maior constatação para que compreendamos o que mantém ou desfaz um casamento tenha vindo do uso de sofisticadas medições psicológicas, que permitem identificar, a cada instante, as nuanças afetivas que ocorrem na relação dos casais. Os cientistas agora podem detectar as ondas e o aumento de adrenalina, de outro modo invisíveis, na pressão sanguínea de um marido, e observar passageiras mas reveladoras microemoções que passam pela fisionomia da mulher. Essas medições psicológicas revelam a existência de um tema emocional oculto que explica as dificuldades por que passa um casal, um crítico nível de realidade emocional normalmente imperceptível ou ignorado pelo próprio casal. Essas medições põem a nu as forças emocionais que mantêm um relacionamento ou o destroem. Os desencontros têm raízes nos diferentes universos afetivos em que viveram quando eram jovens.
O CASAMENTO DELE E O CASAMENTO DELA: A INFÂNCIA DE CADA UM
Numa noite dessas, quando entrava num restaurante, um jovem saía furioso pela porta, com uma expressão terrível. Logo atrás, vinha uma jovem correndo, batendo desesperada com os punhos nas costas dele e gritando:
— [Seu filisteu!] Volte aqui e seja legal comigo!
Esse pedido pungente, incrivelmente contraditório, dirigido às costas que se afastavam, é típico do padrão mais comumente visto em casais cujo relacionamento não vai bem. Ela procura atrair, ele se retrai. Os terapeutas conjugais há muito observaram que, quando os casais procuram terapia, estão nesse padrão de atração-retraimento, ele reclamando das exigências e explosões “irracionais” dela e ela se queixando da indiferença dele ao que ela diz.
Esse final de jogo do casal demonstra que, na verdade, há realidades emocionais paralelas na vida de um casal: a dele e a dela. As raízes dessas diferenças, embora em parte biológicas, podem ser identificadas na infância, no mundo emocional onde vive o menino e no mundo emocional onde vive a menina. Muitas são as pesquisas que tratam desses diferentes mundos, cujas muralhas são reforçadas não só pelo tipo de brincadeira que meninos e meninas preferem, mas pelo temor que têm as crianças pequenas de serem alvo de gozação por terem uma “amiga” ou um “amigo”.2 Um estudo sobre a amizade na infância revelou que metade dos amigos de crianças de 3 anos é do sexo oposto; para as de 5 anos, são cerca de 20%; e, aos 7 anos, quase nenhum menino ou menina têm um “melhor amigo” que seja do sexo oposto.3 Esses universos sociais separados pouco se cruzam até que os adolescentes comecem a namorar.
Nesse meio-tempo, meninos e meninas aprendem, de forma muito diferente, a lidar com as emoções. Os pais, em geral, falam sobre sentimentos — com exceção da raiva — mais com as filhas do que com os filhos.4 As menina recebem mais informação sobre emoções do que os meninos: quando os pais inventam histórias para contar aos filhos em idade pré-escolar, empregam mais palavras de cunho emocional quando se dirigem às filhas, e não aos filhos; quando as mães brincam com seus bebês, demonstram determinadas emoções se o bebê é menina, mas não se é menino; quando as mães falam com as filhas sobre sentimentos, falam com mais detalhes sobre suas próprias emoções do que o fazem com os filhos — embora com eles entrem em mais detalhes sobre as causas e conseqüências de emoções como a raiva (provavelmente contando uma história com objetivo de alertá-los).
Leslie Brody e Judith Hall, que fizeram um sumário de pesquisa sobre diferenças de emoções entre os sexos, sugerem que, pelo fato de desenvolverem a fala mais cedo que os meninos, as meninas têm mais desenvoltura na expressão de seus sentimentos e são mais hábeis que eles no emprego de palavras para avaliar e substituir reações emocionais como, por exemplo, brigas corporais; em contraste, as pesquisadoras observam:
— Meninos que não são estimulados a verbalizar suas emoções podem vir a ter pouca consciência, tanto de seus próprios sentimentos, quanto dos sentimentos dos outros.5
Em torno dos 10 anos, meninas e meninos são francamente agressivos, chegados ao confronto aberto quando ficam zangados. Aos 13 anos, ocorre uma reveladora diferença entre os sexos: as meninas se tornam mais capazes que os meninos de planejar ardilosas táticas agressivas como, por exemplo, isolar os outros, fazer futricas e cometer vingancinhas dissimuladas. Os meninos, em geral, continuam briguentos, ignorando a utilização de estratégias mais sutis.6 Essa é apenas uma das muitas formas como os meninos — e, depois, homens — são menos sofisticados que o sexo oposto nos atalhos da vida afetiva.
Quando as meninas brincam juntas, o fazem em grupos pequenos e íntimos, onde é enfatizado o mínimo de hostilidade e valorizada a cooperatividade. Os meninos brincam em grupos maiores, com ênfase na competição. Pode-se ver uma importante diferença de comportamento entre meninos e meninas quando a brincadeira é interrompida porque alguém se machucou. Se um menino que se machucou fica irritado, espera-se que saia e pare de chorar para que a brincadeira recomece. Se o mesmo acontece entre as meninas, a brincadeira pára e todas se voltam para ajudar a menina que chora. Essa diversidade de comportamento na brincadeira resume o que Carol Gilligan, de Harvard, aponta como uma desigualdade importante entre os sexos: os meninos fazem questão de serem independentes, autônomos e durões. As meninas, por outro lado, se consideram como parte de uma teia de ligações. Por isso, os meninos se sentem ameaçados diante de qualquer coisa que ponha em dúvida sua independência, enquanto as meninas se sentem ameaçadas pela possibilidade de uma ruptura em seus relacionamentos. E, como observou Deborah Tannen em seu livro You Just Don’t Understand, essa diferente visão de mundo sinaliza para o que homens e mulheres querem e esperam de uma conversa, onde os homens gostam de falar de “coisas” e as mulheres buscam ligação afetiva.
Em suma, esses contrastes no aprendizado das emoções promovem aptidões bastante diferentes: as meninas tornam-se “capazes de captar sinais emocionais verbais e não-verbais, de expressar e comunicar seus sentimentos” e os meninos são hábeis em “minimizar emoções que digam respeito a vulnerabilidade, culpa, medo e dor”.7 A comprovação dessa diversidade de comportamento é muito forte na literatura científica. Centenas de estudos constataram, por exemplo, que a média das mulheres é mais empática que os homens, pelo menos no que respeita à capacidade de interpretar os sentimentos não expressos de alguém através da expressão facial, tom de voz e outros indícios não-verbais. Do mesmo modo, é geralmente mais fácil identificar os sentimentos no rosto de uma mulher que no de um homem: embora não haja diferença na expressividade facial de meninos e meninas muito pequenos, à medida que passam pela escola primária os meninos se tornam menos expressivos, e as meninas, mais. Isso pode em parte refletir outra diferença fundamental: as mulheres, em média, sentem qualquer tipo de emoção com maior intensidade e são mais voláteis que os homens — neste aspecto, as mulheres são mais “emocionais” que os homens.8
Tudo isso quer dizer que, de uma forma geral, a mulher chega ao casamento preparada para exercer o papel de administradora das emoções, enquanto os homens se casam sem esse ferramental que, enfim, será muito importante para que o casal se mantenha unido. Na verdade, o que as mulheres — e não os homens — consideram mais importante num relacionamento, conforme relatado em estudo sobre 264 casais, é a sensação de que o casal tem uma “boa comunicação”.9 Ted Huston, psicólogo da Universidade do Texas, após ter realizado uma profunda pesquisa sobre casais, observa:
— Para as mulheres, intimidade significa discutir tudo, sobretudo a própria relação. A maioria dos homens não entende o que as mulheres querem deles. Dizem: “Eu quero fazer coisas com ela, e ela só quer falar.”
Huston constatou que, durante o namoro, os homens eram mais disponíveis para uma conversa no nível de intimidade requerido por suas futuras esposas. Mas, depois de casados, com o passar do tempo — sobretudo em casais mais tradicionais —, não mais queriam ter esse tipo de conversa com as esposas, achando que a proximidade significava apenas fazer coisas juntos, a jardinagem por exemplo, e não a discussão de problemas.
O crescente silêncio por parte dos maridos se justifica, em termos, pelo fato — se é que podemos afirmar alguma coisa — de os homens serem mais “polianescos” em relação ao estado de seu casamento, ao passo que as mulheres ficam mais ligadas em questões problemáticas: num estudo sobre o casamento, verificou-se que os homens têm uma visão mais cor-de-rosa que as mulheres em praticamente tudo o que ocorre no relacionamento do casal — sexo, finanças, ligações com parentes do outro cônjuge, como um escuta o outro, até onde suas falhas contam.10 As mulheres, em geral, são mais francas sobre suas queixas que os maridos, sobretudo em casais infelizes. Basta combinar a visão cor-de-rosa que os homens têm do casamento com sua aversão a confrontos emocionais para que entendamos por que as mulheres tantas vezes se queixam de que os maridos tentam se esquivar da discussão sobre coisas perturbadoras no relacionamento. (Claro que essa diferença entre sexos é uma generalização e não se aplica a qualquer caso; um amigo psiquiatra reclama de sua mulher porque ela reluta em falar sobre emoções, cabendo a ele levantar esse tipo de questão.)
A dificuldade que os homens têm em falar sobre problemas num relacionamento é, sem dúvida, agravada por sua relativa falta de competência para interpretar expressões faciais de emoções. As mulheres, por exemplo, são mais sensíveis a uma expressão triste no rosto de um homem do que vice-versa.11 Por isto é que a mulher tem de ficar muito triste para que o homem possa ao menos notar seus sentimentos, e ainda muito mais triste para que ele indague da razão de sua tristeza.
Há implicações nesse abismo que existe entre os homens e mulheres em matéria de emoção que se vão refletir na maneira como os casais lidam com as queixas e discordâncias que qualquer relacionamento íntimo inevitavelmente gera. Na verdade, questões específicas como a freqüência com que o casal faz sexo, como disciplinar os filhos ou sobre o orçamento familiar não são o que faz ou rompe um casamento. O que é importante é como o casal discute esses pontos sensíveis. É suficiente chegar a um acordo sobre como discordar para garantir a sobrevivência conjugal; homens e mulheres têm de superar as diferenças de sexo inatas ao abordarem emoções perigosas. Sem isso, os casais ficam vulneráveis a problemas emocionais que acabam fazendo ruir o casamento. Como veremos, é muito mais provável que essas rachaduras apareçam se um ou os dois parceiros têm certos déficits de inteligência emocional.
FENDAS CONJUGAIS
Fred: Você pegou minha roupa na lavanderia? Ingrid (arremedando): “Você pegou minha roupa na lavanderia?” Pegar a sua roupa na lavanderia. Tá pensando que sou sua empregada? Fred: Seria difícil. Se você fosse empregada, pelo menos saberia lavar roupas.
Se esse diálogo fosse de uma comédia teatral, seria cômico. Mas essa dolorosa e cáustica troca de palavras se deu entre um casal que (talvez não surpreenda) se divorciou poucos anos depois do diálogo.12 O enfrentamento deles ocorreu num laboratório dirigido por John Gottman, psicólogo da Universidade de Washington, que fez talvez a mais detalhada análise da base emocional que une os casais e dos sentimentos corrosivos que os desunem.13 Em seu laboratório, as conversas dos casais eram gravadas em vídeo e depois submetidas a horas de microanálises, para que fossem reveladas as correntes emocionais subterrâneas atuantes. Esse mapeamento das divergências que levam um casal a se divorciar avalizam a importância da inteligência emocional para a sobrevivência de um casamento.
Nas últimas duas décadas, Gottman acompanhou os altos e baixos de mais de duzentos casais, alguns recém-casados, outros casados há décadas. Ele mapeou a ecologia emocional do casamento com tal precisão que, num estudo, pôde prever quais casais pesquisados em seu laboratório (como Fred e Ingrid, cuja discussão sobre pegar a roupa na lavanderia foi tão acrimoniosa) se divorciariam dentro de três anos com 94% de exatidão, uma precisão inaudita em estudos conjugais!
O vigor da análise feita por Gottman vem do método criterioso que utiliza e da minuciosidade de suas sondagens. Enquanto os casais conversam, sensores registram o mais leve fluxo na fisiologia deles; uma análise segundo a segundo das expressões faciais (onde é usado o sistema de leitura de emoções criado por Paul Ekman) detecta a mais rápida e sutil nuança de sentimento. Após a sessão, cada um dos cônjuges volta ao laboratório, assiste à gravação da conversa e revela o que estava pensando durante os momentos calorosos do diálogo. O resultado equivale a um raio X emocional daquela relação conjugal.
O vigor da análise feita por Gottman vem do método criterioso que utiliza e da minuciosidade de suas sondagens. Enquanto os casais conversam, sensores registram o mais leve fluxo na fisiologia deles; uma análise segundo a segundo das expressões faciais (onde é usado o sistema de leitura de emoções criado por Paul Ekman) detecta a mais rápida e sutil nuança de sentimento. Após a sessão, cada um dos cônjuges volta ao laboratório, assiste à gravação da conversa e revela o que estava pensando durante os momentos calorosos do diálogo. O resultado equivale a um raio X emocional daquela relação conjugal.
— Por onde anda ele? O filme começa em dez minutos — queixou-se Pamela à filha. — Seu pai sempre arruma um jeito de estragar com tudo.
Quando Tom apareceu, dez minutos depois, feliz por ter encontrado um amigo e desculpando-se pelo atraso, Pamela respondeu com sarcasmo:
— Tudo bem… seu atraso nos deu uma boa oportunidade para falar sobre a incrível capacidade que você tem de estragar com tudo que planejamos. Você é irresponsável e egocêntrico.
A reclamação de Pamela excede os limites: é um assassinato do caráter do marido, uma crítica à pessoa, não ao fato. Na verdade, Tom pediu desculpas. Mas, por seu lapso, Pamela o rotula de “irresponsável e egocêntrico”. A maioria dos casais tem desses momentos de vez em quando, no qual uma queixa sobre alguma coisa que um dos cônjuges fez é expressa sob a forma de um ataque que se dirige mais à pessoa que ao fato. Mas essas ásperas críticas pessoais têm um efeito emocional muito mais corrosivo do que as queixas mais moderadas. E tais ataques, como é esperado, se tornam mais prováveis à medida que marido ou mulher sentem que suas queixas não são ouvidas, ou são ignoradas.
A diferença entre queixas e críticas pessoais é simples. Numa queixa, a esposa declara especificamente o que a irrita e critica a ação, não o marido, dizendo como se sentiu: “Quando você esqueceu de pegar minhas roupas na lavanderia, me deu a sensação de que não liga para mim.” Esta é uma expressão de inteligência emocional básica: assertiva não beligerante nem passiva. Mas, numa crítica pessoal, ela usa a queixa específica para lançar um ataque global ao marido: “Você é sempre egocêntrico e indiferente. Isso só prova que não posso esperar que faça nada direito.” Esse tipo de crítica deixa a pessoa que a recebe sentindo-se envergonhada, desamada, censurada e cheia de defeitos, e é mais provável que conduza a uma reação defensiva do que a medidas para melhorar as coisas.
Tudo piora quando a crítica vem acompanhada de desprezo, uma emoção particularmente destrutiva. O desprezo vem facilmente com a ira; é, em geral, expresso não apenas nas palavras empregadas, mas também no tom da voz e na expressão irada. Na forma mais óbvia, é gozação ou insulto — “babaca”, “megera”, “incompetente”. Mas igualmente daninha é a linguagem do corpo que transmite desprezo, sobretudo o sorriso de escárnio ou o franzir de lábios, que são os sinais universais de repugnância, ou o revirar de olhos, como a dizer: “Ai, meu saco!”
A expressão facial de desprezo é uma contração do músculo que repuxa os cantos da boca para o lado (em geral o esquerdo), enquanto os olhos se reviram para cima. Quando um cônjuge se expressa dessa forma, o outro, num intercâmbio emocional tácito, registra um aumento nos batimentos cardíacos de dois ou três por minuto. Essa conversa silenciosa tem seu preço; Gottman constatou que, se o marido mostra desprezo sempre, a mulher ficará mais propensa a ter problemas de saúde, que irão dos resfriados e gripes freqüentes a infecções na bexiga e por fungos, além de sintomas gastrintestinais. E quando a mulher expressa repugnância, prima-irmã do desprezo, quatro ou mais vezes numa conversa de 15 minutos, isso é sinal silencioso de uma provável separação do casal dentro de quatro anos.
Claro, uma demonstração ocasional de desprezo ou repugnância não vai desfazer um casamento. Por outro lado, esse tiroteio emocional equivale ao hábito de fumar e ao colesterol alto como fatores de risco de males cardíacos — quanto mais intensos e constantes, maior o risco. No caminho para o divórcio, um desses fatores prediz o seguinte, numa escala crescente de infelicidade. A crítica e o desprezo ou mostras de repugnância habituais são sinais de perigo porque indicam que o marido ou a mulher formou um tácito julgamento negativo sobre o cônjuge. Em seus pensamentos, o cônjuge é motivo de constante condenação. Essas idéias negativas e hostis levam naturalmente a ataques que deixam o outro na defensiva — ou pronto para contra-atacar em represália.
Os dois lados da reação lutar-ou-fugir representam maneiras como um cônjuge pode responder a um ataque. A mais óbvia é revidar, chicoteando furioso. Essa rota, em geral, acaba numa infrutífera gritaria. Mas a reação alternativa, fugir, pode ser mais perniciosa, sobretudo quando a “fuga” é uma retirada para um pétreo silêncio.
Fechar-se é o último recurso. Dá “um branco” naquele que se fecha, e na verdade o que ele está fazendo é se retirar da conversa com uma pétrea expressão e silêncio. Essa atitude envia uma mensagem potente e desestimulante, com uma combinação de gélida distância, superioridade e nojo. Esse comportamento foi identificado sobretudo em casais que se encaminhavam para o desastre; em 85% dos casos, era o marido quem se fechava, como um contraponto a uma esposa que o atacava com crítica e sarcasmo.14 Se esse comportamento se torna habitual, é devastador para a saúde de um relacionamento: corta toda a possibilidade de solucionar conflitos.
IDÉIAS VENENOSAS
As crianças estão impossíveis e Martin, o pai, já começa a irritar-se. Ele volta-se para a esposa, Melanie, e diz num tom ríspido:
— Querida, não acha que as crianças podiam ficar quietas? O que está pensando de fato é: “Ela dá muita moleza pras crianças.”
Melanie, reagindo à ira dele, sente uma onda de raiva. O rosto fica tenso, as sobrancelhas se franzem, a cara feia fica pronta e ela responde:
— Estão se divertindo. Mas, tá certo, já vão pra cama. Está pensando: “Lá vem ele de novo, não pára de reclamar.” Martin está agora visivelmente furioso. Curva-se para a frente ameaçadoramente, punhos cerrados, e diz num tom irritado:
— Ponho eles na cama agora?
Está pensando: “Ela adora me contrariar. É melhor eu assumir o comando.” Melanie, de repente assustada com a ira de Martin, diz mansamente:
— Não, eu mesma ponho agora mesmo.
Pensa: “Ele está perdendo o controle — pode machucar as crianças. É melhor eu ceder.”
Essas conversas paralelas — as faladas e as silenciosas — são relatadas por Aaron Beck, fundador da terapia cognitiva, como um exemplo dos tipos de pensamentos que envenenam um casamento.15 O verdadeiro intercâmbio emocional entre Melanie e Martin é moldado pelo que estão pensando e esses pensamentos, por sua vez, são determinados por outra camada, mais profunda, que Beck chama de “pensamentos automáticos” — suposições passageiras, de fundo, sobre aquele que está pensando e sobre as pessoas que o cercam, que refletem nossas mais profundas atitudes emocionais. Para Melanie, o pensamento de fundo é alguma coisa do tipo: “Ele vive me atormentando com sua raiva.” Para Martin, o pensamento mais importante é: “Ela não tem o direito de me tratar assim.” Melanie sente-se uma vítima inocente no casamento e Martin sente verdadeira indignação por ser injustamente tratado.
Esse tipo de conjetura — de que se é uma vítima inocente, ou de verdadeira indignação — é corriqueiro entre cônjuges cujo casamento é problemático, onde o rancor e o ressentimento são continuamente alimentados. 16 Assim que pensamentos perturbadores, como a justa indignação, se tornam automáticos, se confirmam a si mesmos: o cônjuge que se sente vitimizado vive constantemente procurando qualquer coisinha que confirme o sentimento que tem de estar sendo vitimizado, ignorando ou não levando em consideração qualquer ato de bondade da parte do outro que contradiga ou não confirme essa visão.
Esses pensamentos são poderosos; disparam o sistema de alarme neural. Uma vez que a sensação de estar sendo vitimizado do marido dispara um seqüestro emocional, ele se lembrará na mesma hora e ruminará sobre um monte de queixas que lhe lembram as maneiras como a mulher o vitimiza, esquecendo ao mesmo tempo tudo que ela tenha feito, em todo o relacionamento, que desminta a visão de que ele é uma vítima inocente. Isso põe a esposa numa situação de não ganhar nunca: mesmo coisas que ela faz com boa intenção podem ser reinterpretadas, quando vistas por uma lente tão negativa, e descartadas como frouxas tentativas de negar que ela é um algoz.
Os cônjuges que não têm essas opiniões geradoras de angústia podem fazer uma interpretação mais favorável do que acontece em situações idênticas, e assim é menos provável que sofram um desses seqüestros emocionais, ou se os sofrerem, que tendam a recuperar-se mais prontamente. O modelo geral dos pensamentos que mantêm ou aliviam a angústia segue o padrão esboçado no Capítulo 6 pelo psicólogo Martin Seligman para as perspectivas pessimista e otimista. A opinião pessimista é que o cônjuge é inerentemente cheio de defeitos, de uma maneira imutável, e que causa infelicidade: “Ele é egoísta e absorto em si mesmo; assim foi criado e nunca mudará; espera que eu faça tudo para ele, e não poderia estar ligando menos para o que eu sinto.” A opinião otimista, pelo contrário, seria algo do tipo: “Ele está sendo exigente agora, mas já foi atencioso antes; talvez esteja de mau humor — quem sabe não está com problemas no trabalho.” Esta é uma opinião que não descarta o marido (nem o casamento) como irredimivelmente comprometido e sem esperança. Ao contrário, vê um mau momento como devido a circunstâncias que podem mudar. A primeira atitude traz angústia contínua; a segunda, alivia.
Os cônjuges que adotam uma visão pessimista são extremamente inclinados a seqüestros emocionais; ficam furiosos, magoados ou de outro modo perturbados com coisas que o outro faz, e assim continuam depois que o episódio começa. A perturbação interior e a atitude pessimista deles, claro, torna muito mais provável que recorram à crítica e ao desprezo ao enfrentar o cônjuge, o que, por sua vez, aumenta a probabilidade de defensividade e do fechamento.
Talvez o mais virulento desses pensamentos tóxicos se encontre em maridos fisicamente violentos com as esposas. Um estudo sobre esse tipo de homem, feito por psicólogos da Universidade de Indiana, constatou que eles pensam exatamente como os valentões de seus tempos de escola: vêem intenção hostil até em atos neutros das esposas e usam essa interpretação equivocada para justificar para si mesmos a violência que praticam (homens sexualmente agressivos no namoro fazem coisa semelhante, encarando as mulheres com desconfiança e assim ignorando as objeções delas).17 Como vimos no Capítulo 7, esses homens se sentem particularmente ameaçados pelo que supõem ser ofensa, rejeição ou vexame público causados pelas esposas. Um típico cenário que provoca idéias “justificadoras” de violência nos espancadores de mulheres: “Numa reunião social, você percebe que durante a última meia hora sua esposa esteve conversando e rindo com o mesmo homem. Ele parece flertar com ela.” Quando esses homens vêem as esposas fazendo algo que possa sugerir rejeição ou abandono, suas reações são de indignação e revolta. Supostamente, pensamentos automáticos como “Ela vai me deixar” são disparadores de um seqüestro emocional em que os esposos espancadores reagem por impulso, como dizem os pesquisadores, com “incompetentes respostas comportamentais” — tornam-se violentos.18
INUNDAÇÃO: O CASAMENTO ALAGADO
O que resulta dessas atitudes angustiantes são crises incessantes, porque provocam seqüestros emocionais com mais freqüência e tornam mais difícil recuperar-se da dor e fúria resultantes. Gottman emprega o termo apropriado inundação para essa susceptibilidade a freqüentes angústias emocionais; os maridos ou esposas inundados ficam tão esmagados pela negatividade do cônjuge e por sua própria reação a ela que ficam encharcados de sentimentos pavorosos e descontrolados. As pessoas inundadas ouvem de forma distorcida e não reagem de forma lúcida; acham difícil organizar os pensamentos e recaem em reações típicas do homem primitivo. Querem que tudo pare, ou desejam fugir, ou, às vezes, revidar. A inundação é um seqüestro emocional que se autoperpetua.
Algumas pessoas têm altos limiares para evitar a inundação, suportando com facilidade a raiva e o desprezo, enquanto outras “transbordam” à menor crítica feita pelo cônjuge. A descrição técnica da inundação se dá em termos de elevação de batimentos cardíacos a partir de níveis calmos.19 Em repouso, os batimentos cardíacos das mulheres são cerca de 82 por minuto, os dos homens, cerca de 72 (a taxa específica varia de acordo com as dimensões do corpo). A inundação começa em cerca de 10 batidas acima da taxa da pessoa em repouso; se chega a 100 batidas por minuto (como acontece facilmente em momentos de raiva ou pranto), o corpo está bombeando adrenalina e outros hormônios que mantêm a perturbação alta por algum tempo. O momento de seqüestro emocional é visível pelo ritmo cardíaco: pode subir 10, 20 ou mesmo até 30 batidas por minuto no espaço de uma única batida. Os músculos ficam tensos; a respiração, difícil. Vem uma inundação de pensamentos tóxicos, uma desagradável sensação de medo e raiva que parece inevitável e, subjetivamente, dura “uma eternidade” para passar. Nesse ponto — pleno seqüestro —, as emoções da pessoa são tão intensas, sua perspectiva tão estreita e seus pensamentos tão confusos, que não há a menor possibilidade de verem as coisas sob outro ângulo ou de resolver o assunto de uma maneira racional.
Claro, a maioria dos maridos e esposas tem esses momentos intensos de vez em quando, quando brigam — é muito natural. O problema para um casamento começa quando um dos cônjuges se sente inundado quase sempre. Aí se sente esmagado pelo outro, vive em guarda à espreita de um ataque ou injustiça emocional, torna-se hipervigilante para qualquer sinal de ataque, insulto ou queixa, e, com certeza, reagirá mesmo ao menor sinal. Quando o marido se acha nesse estado, o fato de a esposa dizer “Querido, a gente precisa ter uma conversa” desperta o pensamento reativo “Está puxando briga de novo” e, com isso, dispara a inundação. Torna-se cada vez mais difícil recuperarse da estimulação fisiológica, o que por sua vez torna mais fácil fazer com que diálogos banais sejam vistos sob uma luz sinistra, disparando de novo toda a inundação.
Esse é talvez o ponto crítico mais perigoso para o casamento, uma mudança catastrófica no relacionamento. O cônjuge inundado passou a pensar o pior do outro praticamente o tempo todo, vendo tudo que ele faz sob um aspecto negativo. Pequenas bobagens tornam-se grandes batalhas; os sentimentos são continuamente magoados. Com o tempo, o cônjuge começa a ver qualquer problema no casamento como sendo sério e impossível de ser sanado, uma vez que a própria inundação sabota qualquer tentativa de resolver as coisas. Diante disso, começa a parecer inútil discutir os problemas, e os cônjuges tentam resolver por si mesmos seus sentimentos perturbados. Começam a viver vidas paralelas, essencialmente isolados um do outro, e sentem-se sozinhos dentro do casamento. Gottman constata que, muito freqüentemente, o passo seguinte é o divórcio.
Nessa trajetória para o divórcio, as trágicas conseqüências dos déficits de aptidão emocional ficam evidentes. Quando o casal permanece preso no reverberante ciclo de crítica e desprezo, defensividade e mutismo, pensamentos angustiantes e inundação emocional, o próprio ciclo reflete a desintegração da autoconsciência e do autocontrole emocional, da empatia e da capacidade de aliviar um ao outro e a si mesmo.
HOMENS: O SEXO FRÁGIL
Voltemos às diferenças de gênero na vida emocional, que se revelam um aguilhão oculto para os fracassos conjugais. Vejam esta constatação: mesmo após 35 anos ou mais de casamento, há uma distinção básica entre homens e mulheres na maneira de encarar choques emocionais. As mulheres, em média, nem de longe se incomodam tanto em mergulhar no dissabor de um bate-boca conjugal, o que não ocorre com seus companheiros. Essa conclusão, vinda de um estudo de Robert Levenson, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, se baseia no depoimento de 151 casais; todos em casamentos duradouros. Levenson constatou que os homens, unanimemente, achavam desagradável e eram mesmo aversos a irritar-se numa disputa conjugal, enquanto suas mulheres não se incomodavam muito.20
Os homens são inclinados à inundação numa mais baixa intensidade de negatividade que suas esposas; os homens, mais que as mulheres, reagem à crítica do cônjuge com uma inundação. Uma vez inundados, os homens secretam mais adrenalina na corrente sanguínea, e o fluxo de adrenalina é disparado por níveis mais baixos de negatividade da parte das esposas; os maridos levam mais tempo para se recuperarem fisiologicamente da inundação.21 Isso sugere a possibilidade de aquela estóica imperturbabilidade masculina, tipo Clint Eastwood, representar uma defesa contra a sensação de esmagamento emocional.
Gottman acha que os homens se fecham como um mecanismo de defesa contra a inundação: sua pesquisa mostrou que, assim que começavam a fechar-se, seus batimentos cardíacos caíam cerca de 10 por minuto, trazendo uma sensação de alívio. Mas — e aí está um paradoxo —, uma vez que eles começavam a emudecer, era nas esposas que o ritmo cardíaco disparava para níveis que indicavam grande angústia. Esse tango límbico, com cada sexo buscando alívio em jogadas contrárias, leva a uma atitude muito diferente em relação ao confronto emocional: os homens querem evitá-los com o mesmo ardor com que as esposas se sentem obrigadas a buscá-los.
Enquanto o homem tende mais a se fechar, a mulher é mais chegada a críticas ao marido.22 Essa assimetria surge como resultado de as esposas cumprirem seu papel de administradoras de emoção. Enquanto elas tentam levantar e resolver discordâncias e queixas, os maridos relutam mais em meter-se no que vão ser discussões acaloradas. Quando a esposa vê o marido retirar-se da briga, aumenta o volume e intensidade da queixa, começando a criticá-lo. Quando ele entra na defensiva ou se fecha, ela se sente frustrada e furiosa, e, assim, o desprezo vem sublinhar a sua frustração. Quando o marido se vê objeto da crítica e desprezo da esposa, começa a cair nos pensamentos de vítima inocente ou de justa indignação que provocam cada vez mais facilmente a inundação. Para proteger-se da inundação, torna-se cada vez mais defensivo ou simplesmente se fecha totalmente. Mas, quando os maridos se fecham, lembrem, isso dispara a inundação nas esposas, que se sentem inteiramente bloqueadas. E, à medida que o ciclo de brigas maritais cresce, é muito fácil perder o controle.
UM CONSELHO CONJUGAL PARA ELE E PARA ELA
Em vista do triste resultado potencial das diferenças nas maneiras como homens e mulheres lidam com sentimentos incômodos em seus relacionamentos, o que podem fazer os casais para proteger o amor e afeto que sentem um pelo outro — em suma, o que é que protege um casamento? Com base na observação da interação nos casais cujos casamentos continuaram a prosperar por anos afora, os pesquisadores conjugais oferecem conselhos específicos para homens e mulheres e algumas palavras gerais para os dois sexos.
Homens e mulheres, em geral, precisam de diferentes sintonias emocionais. Para os homens, aconselha-se não contornar o conflito, mas compreender que quando a mulher faz alguma queixa ou apresenta discordância, pode estar fazendo isso como um ato de amor, tentando ajudar a manter o relacionamento saudável e no rumo certo (embora bem possa haver outros motivos para a hostilidade dela). Quando as queixas fervilham, vão crescendo em intensidade até vir a explosão; quando são ventiladas e resolvidas, a pressão desaparece. Mas os homens precisam entender que ira ou insatisfação não são sinônimos de ataque pessoal — as emoções das mulheres muitas vezes são apenas sublinhadores, enfatizando a força dos sentimentos delas em relação ao assunto.
Os homens também precisam ter o cuidado de não abreviar a discussão oferecendo uma solução prática logo que começa a conversa — em geral, é mais importante para a esposa sentir que o marido dá ouvidos à sua queixa e tem empatia com seus sentimentos no assunto (embora não precise concordar). Ela pode achar que qualquer coisa que ele proponha seja uma forma de negar seus sentimentos, como inconseqüentes. Maridos capazes de atravessar com as esposas o calor da raiva, em vez de descartar as queixas delas como mesquinhas, ajudam-nas a sentirem-se ouvidas e respeitadas. Mais especialmente, as mulheres querem que se reconheçam e respeitem seus sentimentos como válidos, mesmo que os maridos discordem. Na maioria das vezes, quando uma mulher sente que sua opinião é ouvida e seus sentimentos registrados, acalma-se.
Quanto às mulheres, o conselho é bastante paralelo. Como um grande problema para os homens é o fato de as mulheres serem muito intensas ao expressarem suas queixas, elas precisam fazer um esforço muito grande e ter o cuidado de não agredir os maridos — queixar-se do que eles fizeram, mas não criticá-los como pessoas nem manifestar desprezo. Queixas não são ataques ao caráter, mas antes uma clara afirmação de que uma determinada ação causa ansiedade. Um raivoso ataque pessoal quase certamente leva o marido a colocar-se na defensiva ou a se fechar, o que será ainda mais frustrante e apenas aumentará a briga. Também ajuda se as queixas da mulher são postas no contexto maior de reafirmar ao marido o amor dela por ele.
A BOA BRIGA
O jornal da manhã oferece uma boa lição sobre como não resolver divergências num casamento. Marlene Lenick teve uma briga com o marido, Michael: ele queria ver o jogo Dallas Cowboys-Philadelphia Eagles, ela queria ver o noticiário da TV. Quando ele se instalou para assistir ao jogo, a Sra. Lenick lhe disse que estava “cheia daquele rúgbi”. Foi ao quarto, pegou um revólver calibre 38 e desfechou-lhe dois tiros, quando ele, sentado, via o jogo. A Sra. Lenick foi acusada de tentativa de homicídio doloso, foi presa e, depois, solta sob uma fiança de 50 mil dólares; o Sr. Lenick foi considerado como em boas condições de saúde, recuperando-se das balas que lhe rasparam o abdome e perfuraram a omoplata esquerda e o pescoço.23
Embora poucas brigas conjugais sejam tão violentas — ou tão dispendiosas —, ainda assim oferecem uma boa oportunidade para levar inteligência emocional ao casamento. Por exemplo, os casais em casamentos duradouros tendem a se ater a um só assunto e dar a cada cônjuge, logo de início, a oportunidade de declarar sua opinião.24 Mas esses casais dão um importante passo adiante: mostram um ao outro que estão sendo ouvidos. Como sentir-e ouvido é muitas vezes exatamente o que o cônjuge queixoso de fato quer, em termos emocionais um ato de empatia é um grande redutor de tensão.
O que mais notadamente falta nos casais que acabam se divorciando são tentativas dos cônjuges, numa discussão, de reduzir a tensão. A presença ou ausência de meios de sanar uma desavença é o que faz a diferença nas brigas de casais que têm um casamento saudável e as dos que acabam em divórcio.26 Os mecanismos de reparo que impedem uma discussão de escalar para uma terrível explosão são medidas simples como, por exemplo, manter a discussão nos trilhos, mostrar empatia e reduzir a tensão. As medidas básicas são como um termostato emocional, impedindo os sentimentos expressos de transbordarem e esmagarem a capacidade dos cônjuges de se concentrarem no problema em questão.
Uma estratégia geral para fazer um casamento dar certo é não se concentrar nas questões específicas — educação dos filhos, sexo, dinheiro, tarefas domésticas —, que são motivo de briga entre os dois, mas sim cultivar a inteligência emocional do casal, com isso melhorando as possibilidades de resolver as coisas. Um punhado de aptidões emocionais — sobretudo ser capaz de acalmar-se (e acalmar o outro), de criar empatia, de saber ouvir — dá ao casal a possibilidade de resolver, de fato, as suas divergências. Isso torna possíveis desacordos saudáveis, s “boas brigas”, que permitem a um casamento florescer e superar as coisas negativas que, quando vão se acumulando, podem destruí-lo.26
Claro, nenhum desses hábitos emocionais muda da noite para o dia; é preciso, no mínimo, persistência e vigilância. Os casais podem fazer as mudanças-chave na proporção direta da motivação que têm para tentar. Muitas ou a maioria das respostas emocionais tão facilmente provocadas no casamento foram esculpidas desde a infância, aprendidas primeiro em nossos relacionamentos mais íntimos ou moldadas para nós por nossos pais, e levadas para o casamento inteiramente formadas. E assim somos preparados para certos hábitos emocionais — reagindo com exagero ao que parece, por exemplo, ser uma ofensa, ou nos fechando em copas ao primeiro sinal e
confronto —, embora possamos ter jurado que não iríamos agir como nossos pais.
Recuperando a Calma
Toda emoção forte tem sua raiz no impulso para agir: o controle desses impulsos é básico para a inteligência emocional. Mas isso pode ser particularmente difícil nos relacionamentos amorosos, onde temos tanta coisa em jogo. As reações provocadas aqui tocam em algumas de nossas mais profundas necessidades de sermos amados e respeitados, no medo do abandono ou da perda de afeto. Não admira que possamos agir numa briga conjugal como se estivesse em causa a nossa própria existência.
Mesmo assim, nada se resolve positivamente quando o marido ou a mulher está em pleno seqüestro emocional. Uma aptidão-chave é os cônjuges aliviarem seus próprios sentimentos angustiados. Em essência, isso significa dominar a habilidade de recuperar-se rapidamente da inundação causada por um seqüestro emocional. Como a capacidade de ouvir, pensar e falar com clareza desaparecem durante um desses picos emocionais, acalmar-se é um passo imensamente construtivo, sem o qual não pode haver maior progresso na solução do que está em causa.
Casais que ambicionam muito mais para seu relacionamento podem aprender a monitorar o pulso a cada cinco minutos, mais ou menos, na ocorrência de uma interação incômoda, apalpando a carótida, alguns centímetros abaixo do lobo da orelha e do queixo (pessoas que fazem aeróbica aprendem isso facilmente).27 Contando-se o pulso por 15 segundos e multiplicando-se por quatro tem-se o ritmo de batidas por minuto. Fazer isso quando em estado de calma proporciona uma linha de referência; se o pulso sobe mais do que, digamos, dez batidas por minuto, assinala o início de uma inundação. Se sobe tanto, o casal precisa de uma folga de vinte minutos um do outro para acalmar-se antes de retomar a discussão. Embora uma folga de cinco minutos possa parecer bastante longa, o verdadeiro tempo de recuperação fisiológica é mais gradual. Como vimos no Capítulo 5, a raiva residual provoca mais raiva; quanto maior a espera, mais tempo se dá ao corpo para recuperar-se da estimulação anterior.
Para casais que, compreensivelmente, acham incômodo monitorar o ritmo do coração durante uma briga, é mais simples preestabelecer um acordo que permita a um dos cônjuges pedir um tempo aos primeiros sinais de inundação num dos dois. Durante esse intervalo, o retorno à calma pode ser alcançado através de uma técnica de relaxamento ou exercício aeróbico (ou qualquer outro dos métodos que examinamos no Capítulo 5), que ajuda os cônjuges a se recuperarem do seqüestro emocional.
Uma Conversa Desintoxicante Consigo Mesmo
Como a inundação é provocada por pensamentos negativos sobre o cônjuge, muito ajuda se o marido ou a mulher que está sendo perturbado por esses rudes julgamentos os atacar de frente. Sentimentos como “Não vou mais aceitar isso” são slogans de vítima inocente ou de justa indignação. Como observa o terapeuta cognitivo Aaron Beck, pegando esses pensamentos e contradizendo-os — em vez de simplesmente ficar furioso ou magoado por eles — o marido ou a mulher pode começar a se livrar do domínio deles.28
Isso exige o monitoramento desses pensamentos, a compreensão de que não temos de acreditar neles e o esforço deliberado de trazer à mente provas ou perspectivas que os questionem. Por exemplo, a esposa que sente no calor do momento que “ele não se importa comigo — é muito egoísta” deve contestar esse pensamento lembrando-se de várias coisas feitas pelo marido que são, na verdade, sinais de consideração. Isso lhe permite reenquadrar o pensamento como: “Bem, ele liga pra mim às vezes, embora o que acabou de fazer tenha sido uma desconsideração e tenha me perturbado.” A última formulação abre a possibilidade de mudança e uma decisão positiva: a anterior só fomenta raiva e ressentimento.
Ouvir e Falar de Forma Não-defensiva
Ele:
— Você está gritando!
Ela:
— É claro que estou gritando: você não ouviu uma palavra do que estou dizendo. Simplesmente não escuta.
Escutar é uma aptidão que mantém os casais juntos. Mesmo no calor de uma discussão, quando os dois sofrem um seqüestro emocional, um ou outro, ou às vezes ambos, podem dar um jeito de escutar o que está por trás da raiva e ouvir e responder a um gesto conciliador do cônjuge. Mas os casais que rumam para o divórcio se absorvem na raiva e fixam-se nos pontos específicos da questão em pauta, não conseguindo escutar — quanto mais retribuir — qualquer proposta de paz implícita no que o cônjuge diz. A defensividade no ouvinte assume a forma de ignorar ou repelir de saída a queixa do cônjuge, reagindo a ela como se fosse mais um ataque que uma tentativa de mudar um comportamento. Claro, numa discussão, o que um cônjuge diz é muitas vezes em forma de ataque, ou é dito com uma negatividade tão forte que fica difícil ouvir alguma coisa que não seja um ataque.
Mesmo no pior caso, é possível um casal selecionar deliberadamente o que ouve, ignorando as partes hostis e negativas do diálogo — o tom perverso, o insulto, a crítica despreziva — e ouvir a mensagem principal. Para conseguir esse feito, será útil se os cônjuges se lembrarem de ver a negatividade um do outro como uma declaração implícita de como a questão é importante para eles uma exigência de atenção a ser dada. Então, se ela grita: “Quer parar de me interromper, pelo amor de Deus!”, ele talvez possa ser mais capaz de dizer, sem reagir abertamente à hostilidade dela: “Tudo bem, acabe de falar.”
A mais poderosa forma de ouvir não defensivamente, claro, é a empatia: ouvir de fato os sentimentos por trás do que está sendo dito. Como vimos no Capítulo 7, para um cônjuge de fato entrar em empatia com o outro é preciso que suas próprias reações emocionais se acalmem a um ponto em que ele fique suficientemente receptivo para poder refletir os sentimentos do outro cônjuge. Sem essa sintonização emocional, é provável que o sentimento de um a respeito do sentimento do outro seja equivocado. A empatia deteriora-se quando nossos próprios sentimentos são tão fortes que não permitem harmonização fisiológica, mas simplesmente passam por cima de tudo mais.
Um método de ouvir emocional e eficaz, chamado “espelhamento”, é comumente usado em terapia conjugal. Quando um cônjuge faz uma queixa, o outro a repete usando as próprias palavras do queixoso, tentando captar não apenas o pensamento, mas também o sentimento que o acompanha. O cônjuge que espelha confere com o outro para se assegurar de que as repetições estão corretas, e, se não, tenta de novo, até estarem — uma coisa que parece simples, mas que é surpreendentemente traiçoeira na execução.29 O efeito do se ver espelhado com exatidão não é apenas sentir-se entendido, mas ter a sensação extra de estar em sintonia emocional. Isso, por si só, às vezes é suficiente para desarmar um ataque iminente, e vai longe no impedir que a discussão das queixas desande em brigas.
A arte do falar não-defensivo nos casais centra-se na manutenção do que se diz numa queixa específica, sem desandar para o ataque pessoal. O psicólogo Haim Ginott, avô dos programas de comunicação efetiva, recomendava que a melhor fórmula para uma queixa é “XYZ”: “Quando você fez X, me fez sentir Y e eu preferia que você, em vez disso, fizesse Z.” Por exemplo, “Quando você não me ligou para dizer que ia chegar atrasado para nosso compromisso de jantar, eu me senti menosprezada e zangada. Eu gostaria que você me dissesse que vai se atrasar” em vez de “Você é um sacana irresponsável, só pensa em si mesmo”, que é como a questão é muitas vezes colocada nas brigas entre os casais. Em suma, a comunicação aberta não contém provocações, ameaças ou insultos. E tampouco dá lugar às inúmeras formas de defensividade — desculpas, negação de responsabilidade, contra-ataque com uma crítica e coisas assim. Também aqui a empatia é uma ferramenta poderosa.
Finalmente, respeito e amor desarmam a hostilidade no casamento, como em tudo mais na vida. Uma poderosa maneira de acabar com uma briga é dizermos ao cônjuge que podemos ver as coisas de outra perspectiva e que esse ponto de vista pode ser válido, mesmo que não concordemos com ele. Outra é assumir responsabilidade ou mesmo desculpar-se, se vemos que estamos errados. Na pior das hipóteses, a validação significa pelo menos transmitir que estamos ouvindo e reconhecemos as emoções expressas, mesmo que não concordemos com o argumento: “Vejo que você está perturbada.” E em outras horas, quando não houver briga, a validação vem sob a forma de elogios, encontrar alguma coisa que possamos apreciar de fato e dizer uma boa palavra. A validação, claro, é uma maneira de aliviar o cônjuge, ou acumular capital emocional em forma de sentimentos positivos.
Treinamento
Como essas manobras podem ser necessárias no calor do confronto, quando certamente a estimulação emocional estará alta, têm de ser superaprendidas, para podermos usá-las quando necessário. Isso se deve ao fato de que o cérebro emocional aplica as respostas aprendidas no início da vida durante repetidos momentos de raiva e dor e, portanto, se torna dominante. Como memória e resposta são específicas das emoções, nesses momentos, as reações associadas a tempos mais calmos são menos fáceis de serem evocadas para servirem de base para a ação. Se uma resposta emocional mais produtiva é desconhecida ou não foi bem treinada, é extremamente difícil tentá-la quando perturbado. Mas se a resposta é treinada para se tornar automática, há maior possibilidade de expressar-se quando ocorrerem crises emocionais. Por esses motivos, as estratégias acima precisam ser testadas e ensaiadas em choques não tão tensos, não no calor da batalha, para que funcionem como uma primeira resposta adquirida (ou pelo menos uma segunda resposta não muito atrasada) no repertório dos circuitos emocionais. Em essência, esses antídotos para a desintegração conjugal são uma pequena educação remediadora em inteligência emocional.
[…] John Cacioppo, psicólogo da Universidade do Estado de Ohio, que fez essa pesquisa, me disse: — São os relacionamentos mais importantes na vida da gente, as pessoas com quem a gente mantém contato cotidiano, que são importantes para nossa saúde. E quanto mais significativo for o relacionamento, mais ele é importante para a preservação de nossa saúde.30 (Esse último paragrafo é da p. 198 do capítulo 11 – A emoção da clínica médica)
Notas:
1. Há muitos modos de calcular a taxa de divórcio, e os meios estatísticos usados determinam o resultado. Alguns métodos mostram essa taxa chegando a um máximo de 50% e depois caindo um pouco. Quando se calculam os divórcios pelo número total num determinado ano, a taxa parece ter atingido o pico na década de 1980. As estatísticas que cito aqui, porém, calculam não o número de divórcios que ocorrem num determinado ano, mas sim a probabilidade de um casamento ocorrido num determinado ano acabar em divórcio. Essa estatística mostra uma taxa de divórcio em ascensão no século que passou. Para mais detalhes: John Gottman, What Predicts Divorce: The Relationship Between Marital Processes and Marital Outcomes (Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum Associates, Inc., 1993).
2. Os mundos separados de meninos e meninas: Eleanor Maccoby e C. N. Jacklin, “Gender Segregation in Childhood”, em H. Reese, ed., Advances in Child Development and Behavior (Nova York: Academic Press, 1987).
3. Coleguinhas do mesmo sexo: John Gottman, “Same and Cross Sex Friendship in Young Children”, em J. Gottman e J. Parker (eds.), Conversation of Friends, em Michael Lewis e Jeanette Haviland, eds., Handbook of Emotions (Nova York: Guilford Press, 1993).
4. Este e o resumo seguinte sobre as diferenças de sexo na socialização das emoções se baseiam na excelente resenha de Leslie R. Brody e Judith A. Hall, “Gender and Emotion”, Michael Lewis e Jeannette Haviland (ed.), Handbook of Emotions (Nova York: Guilford Press, 1993).
5. Brody e Hall, “Gender and Emotion”, p. 456. 6. As meninas e as artes da agressão: Rohen B. Cairns e Beverley D. Caims, Lifelines and Risks (Nova York: Cambridge University Press, 1994).
7. Brody e Hall, “Gender and Emotion”, p. 454.
8. As descobertas sobre diferenças de sexo na emoção são examinadas em Brody Hall, “Gender and Emotion”.
9. A importância da boa comunicação para as mulheres foi relatada em Mark H. Davis e H. Alan Oathout, “Maintenance of Satisfaction in Romantic Relationships: Empathy and Relational Competence”, Journal of Personality and Social Psychology, 53, 2 (1987), p. 397- 410.
10. Estudo das queixas de maridos e esposas: Robert J. Sternberg, “Triangulating Love”, em Robert Sternberg e Michael Barnes (eds.), The Psychology of Love (New Haven: Yale University Press, 1988).
11. Leitura de rostos tristes: a pesquisa é do Dr. Ruben C. Gur, da Faculdade de Medicina da Universidade da Pensilvânia.
12. O diálogo entre Fred e Ingrid foi extraído de Gottman, What Predicts Divorce.
13. A pesquisa conjugal de John Gottman e colegas na Universidade de Washington é descrita com mais detalhes em dois livros: John Gottman, Why Marriages Succeed or Fail (Nova York: Simon and Schuster, 1994) e What Predicts Divorce.
14. Fechar-se: Gottman, What Predicts Divorce.
15. Pensamentos venenosos: Aaron Beck, Love Is Never Enough (Nova York: Harper and Row, 1988), p.145- 46.
16. Pensamentos em casamentos problemáticos: Gottman, What Predicts Divorce.
17. O pensamento distorcido de maridos violentos é descrito em Amy Holtzworth-Munroe e Glenn Hutchinson, “Attributing Negative Intent to Wife Behavior: The Attributions of Maritally Violent Versus Nonviolent Men”, Journal of Abnormal Psychology 102, 2 (1993), p. 206-211. Desconfiança de homens sexualmente agressivos: Neil Malamuth e Lisa Brown, “Sexually Aggressive Men’s Perceptions of Women’s Communications”, Journal of Personality and Social Psychology 67 (1994).
18. Maridos espancadores. Três tipos de maridos tornam-se violentos: os que raramente ficam, os que ficam impulsivamente quando irados e os que o fazem de maneira fria e calculada. A terapia parece ajudar apenas nos dois primeiros casos. Ver Neil Jacobson et. al., Clinical Handbook of Marital Therapy (Nova York: Guilford Press, 1994).
19. Inundação: Gottman, What Predicts Divorce.
20. Maridos detestam bate-boca: Robert Levenson e outros, “The lnfluence of Age and Gender on Affect, Physiology, and Their Interrelations: A Study of Long-term Marriages”, Journal of Personality and Social Psychology 67 (1994).
21. Inundação em maridos: Gottman, What Predicts Dirvorce.
22. Os homens se fecham em copas, as mulheres criticam: Gottman, What Predicts Divarce.
23. “Esposa Acusada de Atirar no Marido por Causa de Futebol na TV”, The New York Times (3 de novembro de 1993).
24. Brigas conjugais produtivas: Gottman, What Predicts Divorce.
25. Falta de capacidade de fazer reparações nos casais: Gottman, What Predicts Divorce.
26. As quatro etapas que levam a “boas brigas” são de Gottman, Why Marriages Succeed or Fail.
27. Monitarando o pulso: Gottman, ibid.
28. Surpreendendo pensamentos automáticos: Beck, Love Is Never Enough.
29. Espelhamento: Harville Hendrix, Getting the Love You Want (Nova York: Henry Holt, 1988).
30. Entrevistei John Cacioppo para o New York Times (15 de dezembro de 1992).
O texto acima foi extraído na íntegra do livro “Inteligência Emocional: a teoria revolucionária que redefine o que é ser inteligente” do Ph.D. Daniel Goleman (2ª ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. p. 149-166).
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